2012-01-30

Sem título



Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidos

e ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinito

e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terra

lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.

António Maria Lisboa in Poesia
Edição Assírio&Alvim

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2012-01-23

"A Criação"








Foto de Diógenes Araújo
"A Mosca Azul"





Da folha de papel, amarfanhada,
a mosca sobes aos montes,
desce aos vales,
evola-se.

A mão, armada,
recomeça a planar
sobre outra folha, lisa,
de papel.

Alexandre O'Neill
in Poesias Completas
Edição: Assírio & Alvim

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2012-01-18

De um poeta que se tornou imortal












O Pão
Há pessoas que amam
com os dedos todos sobre a mesa
Aquecem o pão com o suor do rosto
E quando as perdemos estão sempre
ao nosso lado.

Por enquanto não nos tocam
A lua encontra o pão caiado que comemos
enquanto o riso das promessas destila
na solidão da erva.

Estas pessoas são o chão
onde erguemos o sol que falhou os dedos
e pôs um fruto negro no lugar do coração.

Estas pessoas são o chão
que não precisa de voar.

Rui Costa
(1972-2012)

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2012-01-14

A mia madre




























imagem: flickr


Grande, piú grande
il vuoto-insensato
mare-, si annodano
stremate la parole
nel deserto sangue,
al tuo non esserci
risponde questo mio
flutuante pensarti.

Le tracce tue confisco
dapertutto,le piante
che facevi nascere
respiro, nell'ombra
-perdendomi- ti stringo.

Mi assale il tuo
brussio: e io deliro.

Michele Sovento
ALLA MADRE
22.6.1993

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2012-01-09


Auto-retrato

Foto: Autor desconhecido















Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

                      Natália Correia

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2012-01-02

De quantas facas se faz o amor








Foto: Chung Huynh em Google +






De quantas facas se faz o amor
de quantas pedras se faz o vício
de quantos homens se faz o medo
de quantas noites se faz a morte
de quantas vidas se faz uma criança
de quantas ternuras se faz o tédio
de quantas horas
será feita a esperança que guardo
com sons de corpo arrastado
de quantas grutas será feita
esta humildade nas veias
que me acordam
de quantos poros será feito o mistério
de quantos gritos será feita uma religião
de quantos ossos será feita
a maldade
de quantos crimes será feita
esta lua que mal começou
e já me deixou no hábito de apurar
os sentidos


Fernando Lemos in "o Silêncio é dos Pássaros"

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