2010-10-25

O Realizador João Botelho na casa das Artes concentra Cinema, Literatura, Beleza e Arte numa obra única




“O Filme do desassossego” de João Botelho esteve na passada quinta-feira, dia 14 de Outubro, no Grande Auditório da casa das Artes e contou com um público interessado e entusiasta. O filme é baseado na obra literária intitulada “O Livro do Desassossego” de Bernardo Soares , um semi-heterónimo de Fernando Pessoa.

A responsabilidade pela presença do realizador na Casa das Artes coube ao Cineclube de Joane, associação que,l todas as quintas-feiras, leva a cabo a missão de exibir na casa das Artes cinema da melhor qualidade.

João Botelho, durante a curta intervenção dirigida à plateia e efectuada antes de se iniciar a projecção do filme, começou por agradecer à direcção da Casa das Artes e ao Cine Clube o empenho em trazer o filme a esta sala de espectáculos, tecendo rasgados elogios à qualidade do espaço como reunindo as condições ideais para se projectar bom cinema.

O realizador citou Mornau ao afirmar que “cinema é arte” – mas não sem alguma tristeza ao salientar que hoje em dia “o cinema é mais um comércio do que uma arte”; e que “é uma aventura tirar um filme como este dos cinemas dos centros comerciais e passá-lo numa sala como esta”.

O filme é adaptado de uma pequena parte de uma das obras literárias do maior vulto da Literatura Portuguesa”.

O realizador explica que Bernardo Soares não é, na verdade, um heterónimo de Fernando Pessoa, uma vez que aquele é uma personagem exactamente igual ao seu Autor, isto é, seria mais um pseudónimo do que um heterónimo.

Segundo João Botelho, « “O Livro do Desassossego” foi muito tardiamente conhecido.»

O realizador teve acesso ao Manuscrito Original, um conjunto de fragmentos dispersos que demoraram muito tempo a serem reunidos, encontrando-se estes na posse de uma neta de Fernando Pessoa a qual lho cedera para, assim, poder fazer o filme.

João Botelho faz notar que esta obra de Bernardo Soares «É um livro armadilhado. É uma espécie de puzzlle. E está traduzido, actualmente, em trinta e sete línguas. Este livro só se atinge quando lido em voz alta; ou em voz baixa, mas desde que se oiça. “O filme do desassossego” é um filme para quem gosta de ler e, também de pintura. É um filme de luz e de sombras. É um filme de liberdade. E a liberdade só deixa de o ser quando incomoda as outras pessoas. Eu escolhi tirar este filme dos centros comerciais porque, ali, as pessoas se incomodam umas às outras com comida, barulho, pipocas…Hoje em dia os filmes comerciais são fantásticos, mas são escritos para adolescentes. O cinema adulto quase que desapareceu. Porque hoje os adultos ficam, quase sempre em casa. Este, é um filme para se ver e ouvir. É um filme onde intervém um quarteto de cordas e que contou com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.»

De salientar a interpretação de Cláudio Silva no papel de Bernardo Soares ao assumir a personalidade sombria, depressiva, com algo de misantropo ou inclusive de misógino, deste pseudónimo/heterónimo de Fernando Pessoa; a fabulosa intervenção de Catarina Vallenstein a declamar um texto com a entoação perfeita encarnando o papel de uma mulher fatal conjugada com os planos sucessivos a iniciar com uma vista panorâmica da sala e a terminar com o pormenor dos lábios da bela actriz que ocupavam a totalidade do écran; por último, a fabulosa alegoria da Luxúria que se exibe impudicamente diante da Miséria, personificada na figura de uma mulher nua coberta apenas com o casaco de peles e as jóias que desfila arrogantemente diante dos sem abrigo.

As qualidades visionárias do Autor bem como a sua acuidade perceptiva da realidade social é entendida como detentora de um sem número de nuances entre os extremos em que se colocam o Bem e o Mal foi poderosamente enfatizada pelo realizador na frase que solta um dos mendigos na fila da sopa dos pobres:

“Deus é bom, mas o Diabo…também não é mau…!”

E mais não digo.

Cláudia de Sousa Dias

2010-10-11

"O Desprezo" (Le Mépris) de Jean-Luc Goddard












Elenco





Brigitte Bardot .... Camille Javal
Michel Piccoli .... Paul Javal
Jack Palance .... Jeremy Prokosch
Giorgia Moll .... Francesca Vanini
Fritz Lang .... ele mesmo


Esta 6ª feira terão a oportunidade de (re)ver o filme seguido do debate sobre o livro de Alberto Moravia que serviu de base para o argumento do filme, ba Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão às 21 e 30.

A crítica mostrou-se entusiasta pela forma como o realizador conseguiu adaptar uma obra de carácter reflexivo como a de Alberto Moravia.




Renan Fogaça (crítico cinematográfico) publicou em Setembro de 2009 o texto que se segue, relativo ao filme no blogue sobre cinema intitulado "O Esporte favorito dos homens".









A trágica emoção, visceral, que vaza da película. A pureza da imagem, bela, meticulosa, pensada, mas tragicamente espontânea. A câmera que segue a emoção, que captura os elementos e absorve a estética plena do mundo. Um voto pela intensidade, pelo lírico, pelo cinema.
A introdução na qual a atriz caminha suavemente pela rua, acompanhada pela câmera que desliza pela grua, grosseira e artificial, introduzem a experiência do que é viver o cinema de dentro para fora. O convite ao espectador em dividir mentalmente o plano, e na sutileza imergir no que a câmera traz. Ser absorvido pela câmera, que focaliza de maneira dura e fria o espectador. O mundo irreal, onírico, mas pleno. O mundo no qual as emoções são sentidas, na qual o homem não tem medo do sentir e o cinema é apenas cinema, e não um objeto de estudo no balcão de laboratório sobre a mira de um frígido microscópio.





E a mulher. Mas não uma mulher regular, e sim uma deidade. Traz a perfeição estética desejada pelo homem, mas sem a lascívia, com um distanciamento contemplativo. A câmera apenas acompanha o corpo, belo e pleno, enquanto o homem se oferece. O quarto como reduto do belo, o homem como felizarda testemunha e a câmera como olhar do fraco presenciando uma epifania. Brigitte Bardot como mulher-desejo, perfeição divina. Perfeição incompreensível, imensurável, incapaz de um simples homem possuí-la como um todo. O homem como olhar, a mulher como emoção. A quebra na fluidez da imagem, adquirindo um tom azulado ou avermelhado, afastando a veracidade daquele momento. Eles estão, mas não estarão mais.





O casal em ruptura. O deslocar-se pelo apartamento enquanto discutem o amor que se esvai. O homem, dissimulado, fingindo que se importa. A mulher, intensa, voraz. O indescritível plano de um relance do antigo fervor no qual a mulher desliza a perna por entre as pernas do homem. A cumplicidade e o desejo que não existem mais.





A realização do cinema dentro do próprio cinema, baseado no que é considerado por muitos a obra que demarcou as possibilidades da literatura: Odisséia, de Homero. Fritz Lang como realizador fictício, como ele mesmo, como ponte com o próprio Godard. E Jack Palance como o produtor egocêntrico, desenfreado, maior que o próprio cinema. Michel Piccoli como o roteirista focado na sua própria arte, arte a qual está distante dos sentimentos, é fria e metódica, e na qual nunca acontece. E que entrega a própria mulher, no mais frio individualismo, no desapego de quem não sente as próprias emoções.





As locações na Ilha de Capri, Itália. Um olimpo terrestre. As pessoas, que se deslocam pela estranha arquitetura e o amor que acaba na fria entrega da mulher ao produtor. O homem que se desinteressa, trava, é vazio. E a realização do cinema. Os planos representando a encenação de Odisséia. A cabeça das estátuas perante o céu azul. Lirismo absoluto.
E o desfecho trágico, incompleto, porém pleno no cinema. O filme que talvez nunca seja finalizado, o roteirista que nunca acabará seu projeto, a mulher que nunca será desse mundo, a emoção que nunca será tão intensa. Tudo isso sendo levado pela monumental trilha sonora de Georges Delerue. Godard filma com uma intensidade voraz e é dessa força, pouco metódica e muito sensorial que surge esse filme magnífico.




ENTRADA LIVRE...!

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