2008-01-24

Livros com Rabanadas




Na primeira semana de Dezembro, a Biblioteca Municipal de Famalicão recebeu duas turmas do Ensino Básico do segundo ciclo da escola Didáxis de S. Cosme do Vale, para ouvirem um conto de José Rodrigues Miguéis intitulado Arroz do Céu.

Trata-se de uma pequena estória que fala das dificuldades de um imigrante que desconhece a língua e a cultura do país anfitrião e da desigualdade de oportunidades em terras do Tio Sam (vide comentário ao livro da editora Contexto da qual extraímos a ilustração deste post, em http://www.orgialiteraria.com/ ).

Nos últimos 15 minutos da sessão, foi proposto às mesmas crianças que atribuíssem um final ao conto, à laia de epílogo, enquanto degustavam as rabanadas da época natalícia.

O resultado foi este, com erros e tudo, numa turma do 6º ano:

O limpa vias descobre de onde vem o arroz. O limpa vias descobre uma coisa valiosa no meio das grades e faz cópias e começa a vender e ganha dinheiro.

Joana Costa

O limpa vias começou a trabalhar como condutor do metro.

Anónimo 1

O limpa vias um dia foi ver a luz do sol e viu que o mundo não era como ele pensava pessoas a deitar coisas para o chão.

Diogo Monteiro

Não se deve deitar nada fora.

Anónimo 2

Ele passou a trabalhar numa igreja. Conseguio alimentar a sua família.

Anónimo 3

O senhor podia ganhar mais dinheiro a apanhar o lixo.

Marlene

O senhor apanhou tanto arroz que começou a vender. Por fim quando reparou estava rico.

Joana ribeiro

Ele arranjou outro emprego e de um momento para o outro ficou rico e começou a ajudar os pobres e mais necessitados.

João Batista

O Estados Unidos fez escolas e o homem foi para a escola e ficou rico e aprendeu a falar inglês.

Feliz Natal e Boas Festas

Anónimo 4

O senhor conseguiu outro emprego e ficou rico.

Daniel

(e agora um bocadinho de realismo mágico)

asseguir de cair arroz começaram a cair notas de 500 euros e ele ficou rico.

Anónimo 5

Como aquele tal senhor pobre que tinha sete filhos e que tinha de tirar a porcaria começou a cair aroz e sempre consegui alimentar a sua família com aquele aroz.

André Oliveira

Eles desperdisavam bastante arroz nos casamentos e coitado do limpa vias, que tinha de limpar tantas chicletes pegajosas. Ele limpou tanta chiclete e tanto arroz que até chegou a injuar.

Paula Pereira

Ele devia ganhar mais porque o trabalho que ele fazia era muito porco e comprou uma maquina que fazia aroz e ele ficou rico assim a fazer aroz.

Rui Manuel Costa Guimarães

O senhor limpa vias ficou rico do arroz; tinha muito. Vendeu algum arroz, porque não queria ficar com muito arroz.

Sérgio

Eu acho que ele ficou rico em arroz e nunca mais lhe faltava comida.

Fernando Carneiro

(sentido de humor)

O limpa vias começou a comer todos aqueles grãos de azzos, ficou muito gordo e grande e acabou por ficar uma grande e feliz toupeira.

Anónimo 6

E por fim comprou uma máquina de filtrar e embalar o arroz recolhido. E ficou rico.

Catarina Barbosa

Ele apanhou tanto arroz que começou a vendê-lo. E acabou por ficar rico.

Assinatura Ilegível

O desperdisio de arroz em pacotes.

Catarina Cunha

Ele arranjou outro emprego, casou-se (esqueçamos, portanto, o facto de que já era casado), arranjou outra casa e conseguiu alimentar a sua família para sempre.

Luís Miguel

No fim ele descobre que é uma igreja por cima do tecto e começa a ir lá resar todos os dias.

Anónimo 7

O senhor devia ganhar mais dinheiro e que aproveitasse o que apanhava para comer.

Anónimo 8

Ele montou uma firma de arroz e ficou rico. Tudo graças ao arroz que vinha do céu e o que sobrava ele vendia.

Anónimo 9

O senhor Limpavias ficou rico porque vendeu o aroz e mais ninguém disse-le mais nada e ganha 300 000 dólares.

Ana Faria

O limpa-vias decobriu tudo aprendeu a falar Inglês e modou de proficão que foi eletrecista.

Anónimo 10

O limpa vias despediuse e começou atrabalhar nuntro inprego.

Anónimo 11

O sinore limpavidos foico reco e fico polisa, gama o raminhos gana 40 000 eros.


Anónimo12

O limpa-vias descobriu muito dinheiro. E ele foi rico fez uma casa nova e comprou muitas coisas e comidas.



Já no 5º ano, as coisas são um bocadinho mais lineares:

O limpa bias com o arroz que juntou acabou por ter uma vida melhore as pessouas de sima que se fosse agora não tinham desperdisado tanto arroz.

Anónimo 1

Eu gostava que o limpa vias ficasse rico com melhores condições de viver e fosse feliz. E que tivesse dinheiro para viver e para comer.

Sara

Um dia as pessoas repararam que o limpavias era tão pobre e ainda por sima tinha sete filhos que a partir da aí começaram a não a tirar aroz e encenaram a falar a língua estrangeira e foi assim que o limpa-vias arranjou outro emprego e os sete filhos começaram a ter mais comida e viveram felizes para sempre.

Anónimo 2

O limpa-vias todos os dias apanhava o arroz que caia de depois nunca mais passou fome nem ele nem os seus filhos e a patroa (a esposa).

Bruna

O limpa-vias começou a ficar mais tempo a trabalhar e ganhou mais arroz. Começou a ter muita comida e a nunca mais ter problemas. Por fim, descubriu de onde vinha o arroz.

Marta

O limpa-vias no dia seguinte foi trabalhar para o Metro Nova Iorque e encontrou muito aroz e assim viveram felizes para sempre.


Susana

Um dia o limpadias que as pessoas não queria que caísse o arrós.

Anónimo 3

Assim ele e as suas filhas não passaram fome nem pobreza.

Anónimo 4

No final da história o limpa vidros foi viver para a cidade de Nova Iorque e ficou com melhores possibilidades de vida. E as pessoas aprenderam a partilhar as coisas.

Anónimo 5

O limpa vias foi dar um passeio e encontrou um dólar e foi ver o que era e assim descobriu a Cidade de Nova Yourk e foi procurar um emprego e encontrou um empresário e o empesário disse que pressisava de um empregado e ele asseitou.

Anónimo 6

E assim a família do limpa-vias ficou com a vida muito mais estável e começaram a ter mais alimentação.

Anónimo 7

Passado um ano a família do limpavias arranjou um emprego melhor e começou a ganhar mais dinheiro e deixou de ser pobre e sua família ficaram felizes.

Anónimo 8

O limpa vias ficou o resto da vida a comer aroz no subway que caía lá.

Anónimo 9

O fim da história podia ser que a família dele podia ter uma profição melhor e que ganha-se mais dinheiro.

Anónimo 10

O limpa-vias encontra um senhor rico atirar arroz num casamento e o limpa vias chateia-sse e volta para casa onde é promovido a organizador de casamentos e só casam as pessoas que não atirarem arroz aos noivos.

Anónimo 11

(originalíssimo e com um sentido de ironia muito peculiar)

O fim da história era quando o limpavias descobria que a sua mulhere começava adeitar arroz ao lixo.

Anónimo 12

E assim, o limpavias e a sua família começaram a ter comida para comer.

Anónimo 13

No fim o Lipa Bias desconfiou quem istava a deitar aroz e não disse aningingem.

Fim.

Anónimo 14

O limpa-vias sempre que ia limpar as vias levava arroz para a sua família e assima sua família passou a ter comida e nunca mais teve fome.

Ana Filipa

O limpa vias devia ficar com um emprego melhor e devia ficar mais rico.

Pedro Carneiro

As opiniões são unânimes. Apenas difere a criatividade destes pequenos ouvintes que pode ser, nalguns casos, inversamente proporcional aos resultados a nível cognitivo ou de compreensão do texto, embora a regra seja o inverso.

Diferem também e muito, sobretudo no 5ºano, os níveis de compreensão e expressão literária.

Comovente é a quase totalidade com que se verifica a capacidade para se sensibilizarem, denotando um forte sentido de solidariedade social e consciência cívica em idades tão precoces…

Cláudia de Sousa Dias

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2008-01-21

Homenagem a Mário Cesariny na Fundação Cupertino de Miranda



Durante três dias – 22, 23 e 24 de Novembro último – a Fundação Cupertino de Miranda foi palco de homenagem ao poeta e pintor Mário Cesariny, a qual iniciou com a inauguração da exposição – cujo acervo inclui objectos, obras e manuscritos do artista – no dia 23. A referida homenagem terminou no Sábado, dia 24, data em que o público foi brindado com a apresentação de Titânia, obra póstuma do Autor, e com a apresentação, também, do projecto de construção do Centro de Estudos para o Surrealismo em Famalicão. Um recital de poesia e piano, com as respectivas interpretações de João Grosso e Afonso Malão coroaram o evento.

Os Encontros Mário Cesariny contaram com a intervenção de Manuel Rosa, da Editora Assírio &Alvim. Manuel Rosa dissertou sobre a obra poética e plástica do poeta e pintor surrealista, dando ênfase o riso do poeta como característica que o distingue dos restantes humanos pelas emoções nele contidas e que estão projectadas, decalcadas nos seus versos: “um riso ácido, sarcástico, que atravessava o espaço; (…) que causava incómodo (…) e um povo apreciador do poucochinho, das piadinhas e das graçolas, não aguentava o riso de Cesariny”.

O editor salientou, também, a importância dada pelo Autor à liberdade emocional na sua obra, o que obrigava a uma ruptura não só com o código moral vigente da época, mas também com os cânones estéticos, então em vigor. Uma ruptura que despoletou o aparecimento do surrealismo na poética portuguesa, assim como nas artes plásticas.

A Dra. Joaquina Madeira, presidente da Comissão Instaladora da Casa Pia de Lisboa, empenhou-se, por seu lado, em mostrar que essa mesma ruptura com a corrente estética, então em voga em Portugal, implicou também uma ruptura epistemológica face à utilização da Arte, nomeadamente da literatura, com o objectivo de proceder à massificação do pensamento colectivo. Cesariny quis, pelo contrário, enfatizar a importância do respeito pelo individualismo. O que, na óptica da Dra. Joaquina Madeira, justifica a atribuição do nome de Mário Cesariny à Academia Pedagógica e artística da casa Pia, destinada a promover o talento individual das crianças mais desfavorecidas, e o respeito pela especificidade de cada um.

A homenagem prosseguiu com a apresentação da obra póstuma do Autor, intitulada Titânia, com desenhos de Cruzeiro Seixas, a ilustrar os textos de Cesariny, seguida da intervenção do professor Perfecto E. Cuadrado o qual evidenciou o quanto “Cesariny foi um homem extremamente livre (…), olhava a vida com aquilo a que André Breton chamava de «o olhar selvagem» ou «o olhar de criança», «com um estado de absoluta disponibilidade para a vida».
Cesariny teve, ao que tudo indica, uma infância difícil, marcada por um relacionamento conflituoso com o pai, ourives de profissão. Já com a mãe, de origem castelhana, o jovem Mário teve um relacionamento mais próximo, mais terno.

Indo de encontro ao tema já dissertado pelo Editor da Assírio e Alvim, o Pr. Perfecto Cuadrado mostrou o quanto o Poeta necessitava de romper com os cânones estéticos que dominavam o panorama artístico nos anos 40 em Portugal – o neorealismo encabeçado por Fernando pessoa e o existencialismo.

Cesariny terá sido, então, um dos principais responsáveis pela introdução da corrente surrealista em Portugal, influenciado por André Breton, na escrita, ou Salvador Dali, na pintura, como contraponto ao falso humanismo do neo-realismo socialista da época.

“Mário Cesariny, levanta a sua voz, independente e livre, através da poesia, usando o heterónimo de Nicolau Cansado Escritor, o qual, coloca figuras da retórica como a paródia ou o pastiche, ao serviço de uma crítica feroz, dirigida à corrente poética dominante”.

Mário Cesariny coloca na poesia e, também, nos seus trabalhos plásticos, a denúncia da realidade social da época. Nomeadamente, que não existe romantismo na pobreza e que esta é, na realidade, obscena. O artista pretende desmistificar, ou melhor, desmascarar, a “poesia engajada, politizada”, destruindo a ideia do Povo mitificado, ao dirigir a sua ácida verve aos moralistas, com a sua crítica feroz, particularmente a Fernando Pessoa e, mais especificamente, ao heterónimo Álvaro de Campos, referência obrigatória nos círculos literários nos anos 1940.
O professor P.E. Cuadrado terminou a sua intervenção com dois poemas: o primeiro, de Cesariny, em homenagem a Mário de Sá-Carneiro; o outro, de um poeta castelhano, Enrique Carló,em homenagem a Cesariny.

Perfecto Cuadrado foi o orador que teve o condão de absorver de tal forma a atenção da audiência – ao “falar” com as mãos, que acompanham as modulações dramáticas da sua voz – que fez detonar um entusiástico e prolongado aplauso por parte do público presente no Auditório da Fundação Cupertino de Miranda.

A sessão prosseguiu com a apresentação do projecto do Centro de Estudos para o Surrealismo pelo Arquitecto Armindo Costa – Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – o qual evocou a memória de Cupertino de Miranda pelo seu filantropismo, manifesto na criação da Fundação com o seu nome, a qual guarda, actualmente, o espólio correspondente à obra de Cesariny e de outros surrealistas portugueses”.

O projecto do Centro de Estudos para o Surrealismo, que é da responsabilidade dos arquitectos Duarte e Nuno Simões, irá incluir uma sala de exposição permanente, com o objectivo de albergar o acervo relativo à obra dos artistas do movimento surrealista – actualmente expostas na fundação Cupertino de Miranda –, uma biblioteca e um auditório.

O edifício foi planeado de forma a causar impacto visual nos visitantes através de fortes contrastes no que respeita às proporções, e a potenciar o efeito dramático das obras nele contidas.

“A finalidade do estilo arquitectónico adoptado para este edifício é a de albergar a obra pertencente à corrente surrealista. Torna-se, por isso, necessário criar um edifício que esteja de acordo com esta corrente estética”, sublinha o arquitecto.

A homenagem a Mário Cesariny terminou com um recital de Piano e Poesia, com a respectiva interpretação de Afonso Malão e de João Grosso.

Duas interpretações sublimes, a de Afonso Malão com música de Lopes Graça e a de João Grosso, cuja intensidade dramática esteve à altura da escrita de Mário Cesariny, o poeta que empunhava a bandeira do surrealismo contra a hipocrisia kitsch da sociedade portuguesa do Estado Novo.


Cláudia de Sousa Dias

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2008-01-10

CineLiterário 2008

10 Filmes e Livros a gerarem debate e troca de ideias na Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão sempre às 21 e 30 e na 3ª 6ª-feira de cada mês com excepção do mês de Janeiro.

As datas estão sujeitas a confirmação.

Janeiro – O Perfume de Patrick Süskind - 11 de Janeiro (confirmada)

Fevereiro – Orgulho e Preconceito de Jane Austen 15 de Fevereiro (confirmada)

Março – Como Água para Chocolate de Laura Esquível - 14 de Março (confirmada)

Abril – Doutor Jivago de Boris Pasternak - 18 de Abril (sujeita a confirmação)

Maio – O Amante de Marguerite Duras - 16 de Maio (sujeita a confirmação)

Junho – A Selva de Ferreira de Castro - 20 de Junho (sujeita a confirmação)

Setembro – A Casa dos Espíritos de Isabel Allende - 19 de setembro (sujeita a confirmação)

Outubro – Rapariga com Brinco de Pérola de Tracey Chevallier - 17 de Outubro (sujeita a confirmação)

Novembro – O Grande Gatsby de Scott Fitzgerald - 21 de Novembro (sujeita a confirmação)

Dezembro – Closer de Patrick Marber - 19 de Dezembro (sujeita a confirmação)

Conto com a vossa presença!


CSD

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2008-01-02

Concerto de David Fonseca na Casa das Artes



Bacharel em Cinema, vertente de Imagem, pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, David Fonseca foi aluno da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (1992/94). Foi fotógrafo, colaborando com diversos catálogos de moda e participou em exposições colectivas e individuais. Nos discos que edita tem sido também o responsável pela imagem gráfica. Para além de vocalista, é autor de letras musicais e toca vários instrumentos musicais.
Em 2003, estreou-se a solo com o álbum
Sing Me Something New.
Em 2005, David Fonseca lançou o álbum
Our Hearts Will Beat as One com o lançamento do single em 300 rádios nacionais.
Regressa em Outubro de 2007 com o álbum
Dreams In Colour.


(Fonte: Wikipédia)


Dreams in Colour inclui onze temas compostos por David Fonseca e a sua própria versão de Rocket Man – uma canção de Elton John que se enquadra na temática de Dreams in Colour, a qual se debruça sobre a solidão e, de certa forma, na anomia, presente nos ambientes urbanos. Como contraponto, surgem canções a falar da tranquilidade e da paz em ambientes bucólicos.

Ao ser questionado sobre o porquê da temática na qual incidiu o concerto, David Fonseca admite oscilar entre o ambiente campestre e o das grandes metrópoles, comentando ser “…uma pessoa citadina, mas a tempos, porque a cidade deprime-me um bocadinho. Vivo um bocado entre esses dois mundos”.

E explica:

“A cidade traz a ideia falsa de que a vida é muito preenchida; na “aldeia”, é o oposto, o que move a nossa vida é a nossa acção (…) tem a ver com o facto de olharmos à nossa volta do ponto de vista do consumo (...) talvez porque, na aldeia se foque mais o olhar nas pessoas…ou talvez porque se ouça mais as pessoas.”

A sobriedade de David Fonseca, em palco, sem o mais leve vislumbre de vedetismo, juntamente com o carinho que coloca nas palavras dirigidas ao público famalicense (na sua maioria, muito jovem), foram o factor decisivo para que o concerto de sexta-feira, dia 23 de Novembro, realizado na Casa das Artes, despertasse a reacção entusiástica da plateia.
Para não falar dos impecáveis arranjos musicais e da performance da banda que acompanhava o cantor. O grande écran, como pano de fundo, permitia a visualização dos cenários, outra mais-valia a adicionar e a potenciar o efeito final.

O refinado sentido de humor de David Fonseca, que demonstra numa excelente capacidade para se rir de si próprio, ajudou a “quebrar o gelo” e a esbater a fronteira entre o público e o palco.

O contraste rítmico entre os vários temas apresentados contribuiu para o dinamismo, patente ao longo de todo o concerto, o qual contou com canções como Someone that can not love ou Secret Voyd, sendo a voz de David modificada com a ajuda de um sintetizador, neste último tema.

A qualidade vocal de D.F. é inquestionável: o cantor consegue atingir notas altíssimas – sem entrar em voz de falsete –, as quais alterna com os sons baixos que costuma introduzir nos ritmos mais lentos.

O público famalicense mostrou uma incrível capacidade para reproduzir o ritmo musical de algumas canções, chegando mesmo a requerer a performance de Kiss Me, oh Kiss Me marcando o compasso com o bater de palmas, deixando o cantor verdadeiramente deliciado.

Seguiram-se alguns momentos de humor, com a reprodução e paródia a alguns temas kitsch dos anos oitenta como Touch Me de Samantha Fox ou Boys de Sabrina (O cantor recusou-se, no entanto a reproduzir, Mónica Sintra!). O objectivo foi exclusivamente o de fazer a distinção entre a música pimba anglo-saxónica – caracterizada pela ênfase na repetição, quer textual que das notas musicais – e a música mais elaborada. No entanto, sublinha que gostaria de ter composto The Eye of the Tiger

Já a versão de Da, da, da dos Trio foi reproduzida na íntegra, deixando-nos impressionados com a velocidade com que pronuncia Ich liebe dich, du liebst mich nicht, mais uma das suas muitas habilidades vocais.

Os encores foram incisivos. A presença de David Fonseca seria indubitavelmente apreciada pelo triplo do tempo em que esteve no palco da Casa das Artes.

O concerto terminou com Temptation, um tema inédito, o qual afirma ser “um disco diferente dos outros: o lado bucólico não está tão omnipresente”.

De facto, o ritmo electrizante de Temptation é puramente urbano, frenético. Uma verdadeira tempestade de sons.

David Fonseca despediu-se do público com uma verdadeira jóia musical que começa com o som de um despertador, prosseguindo com o tique-taque de vários relógios a fazer lembrar o início do filme Delicatessen. O compasso dos relógios, que marca o ritmo de “uma viagem ao tempo em palco” transforma-se, gradualmente, num ritmo galopante, atingindo um paroxismo quase demoníaco, abruptamente interrompido, regressando logo a seguir, ao ritmo compassado do despertador, como um coração que tenta normalizar a alternância sistólica e diastólica, após a realizar um esforço sobrenatural.
O acorde final, após a última batida do relógio cardíaco, é dado por uma caixa de música.

A suprema e derradeira tentação.

Cláudia de Sousa Dias

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