2008-02-19

Na Savana



A savana africana é composta por uma vasta planície de terra macia, clara, com tamarindos e acácias, de cujas folhas se alimentam as girafas e os elefantes. Na lagoa, a água e tão doce e fresca que todos os animais vão lá matar a sede.
Porém, entre a vegetação que cresce nas margens, rasteja, nas noites de luar, uma cobra lindíssima, de escamas verdes escuras e com a língua de um vermelho vivo como o sangue arterial agita uma bela, comprida e sinuosa cauda que termina com um guizo.

A bela Cobra Carmela costuma esconder-se traiçoeiramente por entre os juncos, onde espera as suas vítimas: passarinhos, ratos e pequenos coelhos. Os seus olhos hipnóticos cintilam, brilhantes como topázios, iluminando a noite.
Furtivamente, Carmela, a bela cobra de olhos dourados, rasteja por entre as ervas, enquanto o coelhinho Raponzel brinca inocentemente com os irmãos.

De repente, Raponzel olha Carmela directamente nos olhos, duas pedras preciosas que a enfeitiçam, e a deixam paralisada. Os músculos estão flácidos, inertes. Carmela abre a sua enorme boca, de cujos dentes escorre um potente veneno, cravando-os nas suas costas. Raponzel grita.
Logo a seguir, ouve-se um rugido e a silhueta ágil do Leão João surge por entre a erva.
Munido de poderosas garras, o destemido Leão João, com uma única patada, atira a sedutora Carmela para o cimo de uma árvore.
João coloca Raponzel em cima de uma rocha, mas a pequena coelhinha está extremamente doente, deixando o Leão João muito preocupado, a pensar o seguinte:

- É necessário chamar um médico …

Entretanto, a Girafa Pernalta, que estava por ali a comer folhas de acácia, tinha ouvido o tumulto e, cheia de curiosidade, perguntou:

- Olá João! O que é que se passa?

Preocupado, João explica, sarcástico:

- A nossa querida e bela Cobra Carmela fez mais uma das suas gracinhas maléficas. Desta vez, deu-lhe para morder, a pequena Raponzel, que ainda nem sequer tem carne para encher a cova de um dente!

Face a isto, a Girafa Pernalta pôs-se a pensar em alta voz:

- É preciso chamar, então, o Doutor Ouriço Magriço antes do amanhecer, senão ela morre!

- Mas ele vive longe…

- Bem, nada que eu, com duas corridas nas minhas pernas altíssimas (ou não me chamasse eu Pernalta) não possa percorrer em menos de meia hora! A Planície da Maratona é, para mim, do tamanho da tua sala de jantar!

- Esta bem! Ficas, então, encarregue desta missão de salvamento!

E a girafa lá foi buscar o Doutor Magriço, trazendo-o às suas cavalitas para não se picar nos seus mil picos.

O Doutor Magriço era um ouriço gordinho e espinhoso mas, ao mesmo tempo, muito tímido e medroso, apesar da sua armadura. Tinha contudo, uma alma boa, pacífica. Era, também inteligente e muito generoso. Por isso, concordou imediatamente em viajar nas costas da Girafa Pernalta para visitar a sua pequena doente.

A viagem fez-se num piscar de olhos. Ao chegar, o Doutor Magriço olhou a coelhinha e abanou a cabeça:

- É preciso arranjar pomada-de-ranho-de-caracol para curar a ferida e neutralizar o veneno…

- E onde é que encontramos um caracol? – perguntou a Pernalta, toda preocupada – Aqui não vivem caracóis…

- Pois não – respondeu o Doutor Magriço – É preciso ir até ao pântano e trazer o meu amigo, o farmacêutico Caracol Marisol. Ele é uma pessoa muito estranha e tem de ser trazido às costas de alguém, porque anda mesmo muito devagar.

Sabem, ele tem um aspecto ranhoso, viscoso, remeloso, com uma casca castanha-esverdeada e uns corninhos muito pretos que gosta de expor ao sol. Também é muito agarrado às coisas materiais, quer sempre levar a casa para todo o lado… Tem medo que lha roubem. Além disso, é muito forreta e guloso. Devora todas as folhas de alface que encontra pelo caminho. Terão de lhe pagar com alfaces.

Ao que responde o vaidoso leão:

- Claro! Nem toda a gente pode ser tão belo e majestoso, sedutor e cavalheiro além de forte como Eu!

- E, já agora, modesto também, não? – riposta Pernalta, bem humorada.

- E para é que é preciso ser modesto?!

- Bem, não vamos discutir isso agora – disse diplomaticamente o Doutor – é necessário, antes de tudo, que a nossa amiga Pernalta atravesse para a outra margem do lago até ao pântano e nos traga o Marisol.

E Pernalta assim fez. Com muita coragem, ao atravessar a lagoa a nado, evitando cuidadosamente os crocodilos, entretidos a devorar alguns gnus de uma manada que tinha passado ali perto.

Duas horas depois, a Girafa Pernalta chegou cansadíssima e cheia de sede, com o rabugento feiticeiro-farmacêutico Marisol às costas.

O Doutor Magriço colocou, então, suavemente o Caracol nas costas feridas da pequena Raponzel, espalhando, assim, aquela serosidade viscosa ao andar…

Após algumas horas, as feridas de Raponzel começaram a cicatrizar e a fechar. Os músculos começaram a recuperar a sua força e movimentos.

Os amigos saíram, então, para festejar o acontecimento enquanto a maligna Carmela os observava a salivar:

- Hoje, ganharam vocês…Mas amanhã…bem…amanhã ver-se-à! Um dia é da caça e o outro dia…é do caçador! Eheheh…!

E o sol nasce no horizonte da savana, como uma gigantesca bola cor-de-laranja…


Cláudia de Sousa Dias


Preciosamente adjuvada na caracterização das personagens e na atribuição dos nomes pelos meninos da Escola de S. Torcato - Guimarães – na Oficina de Escrita Criativa, no âmbito do projecto Puerpolis:

Aqui vai um beijinho ao

Diogo

Ao João

E ao

José Luís

…que me ajudaram neste história africana (duma autora que nunca pisou solo africano) e um abraço especial a Ondjaki com quem tive o prazer de rir à gargalhada, no almoço de sábado, graças às suas anedotas cheias de gindungo…

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