2007-05-18

"Melro de Penas azuis"



O meu gato observa atentamente o melro indiano da minha mãe, dentro da gaiola. Um melro de de penas azuis escuras, safiras iridiscentes, como o pescoço de um pavão. A curiosidade e o instinto de caçador são activados pelos pulinhos nervosos do pássaro, que vem comer à minha mão. No Inverno, as suas patitas negro-azeviche estão, normalmente, geladas, pelo que o animal se sente bem ao empoleirar-se na minha mão, para fugir ao frio do poleiro, que está, mesmo assim, cuidadosamente forrado a tecido.

Se calhar, devíamos trocar a seda por veludo no Inverno…

Trata-se de um melro que não canta como os outros melros – pretos, de bico alaranjado – europeus. É um melro que grasna. E que quase fala. Também gosta de assobiar ao desafio com o pessoal da casa. É aquilo a que se pode chamar de um pássaro interactivo.

Chamei-lhe Júlio.

Por causa do gato da minha avó.

Júlio, também.

O gato mais inteligente de todos os tempos.

E bravio. Como um lince.

Indomável e independente. Completamente senhor do seu nariz.

Um gato que esperava cautelosamente a minha avó sair de casa para se enfiar na cama onde dormiam a minha mãe e as minhas tias, que o adoravam.

Apesar das pulgas.

Inteligente, também, pela precisão com que calculava a exacta fracção de segundos de distracção da minha avó e roubar o carapau de cima da banca de granito na cozinha onde ela preparava o jantar.

Ou quando empurrava um ovo cru de cima da mesa para que este se estatelasse no chão da cozinha, que ele limpava cuidadosamente, deixando apenas as cascas como prova do crime!

Mas a capacidade de raciocínio do Júlio-pássaro, o de penas azuis-safira – que se tornam esmeralda ou ametista consoante a intensidade da luz, penas onde apenas ao sol do meio-dia se distinguem os ocelos, quase negros, nas extremidades das asas – não lhe fica nada a dever.

Mal ouve a porta do frigorífico a ser aberta ou a gaveta dos talheres, põe-se logo a grasnar, como que a dizer: “Não se esqueçam de mim! Sou tão gente como vós!”

O que é verdade.

Pelo menos na necessidade de comunicar, os pássaros tornam-se tão gregários e sociáveis quanto os homens.

Ou até mais.

O que tenho observado leva-me a concluir que, quanto mais conversa se dá a um pássaro, mais homem ele se julga.

Até se esquece que está prisioneiro. Porque o amor que lhe temos impede-o de definhar.

De tristeza.

De solidão.

De saudade…

O meu gato de olhos verdes tem ciúmes.

Logo que me vê dar de comer ao Júlio, pela manhã, vem roçar-se nas minhas pernas, nuas.

Não sabe que os amo aos dois. De forma igual. Mas por razões diferentes.

Ambos se assemelham.

Na astúcia. E na inteligência, manifesta na capacidade de memorizar e associar elementos. E na dedicação àqueles de quem recebem amor.

O gato nunca esquece quem o maltrata. Mais cedo ou mais tarde terá de dar o troco.

De preferência quando o agressor já tiver esquecido.

Ama as pessoas que o mimam, mas esquece-se delas, se elas o esquecerem.

Olho por olho…

Já o pássaro prisioneiro precisa da atenção humana para sobreviver. Mesmo tendo companheira.

Mas, na verdade, mesmo tendo nascido em cativeiro, sem possibilidade de sobreviverem sozinhos, nunca precisarão tanto de nós como nós deles…

Do seu canto.

Da sua beleza.

Do seu amor.


Desert Rose

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2007-05-12

"A festa do Sol e da Lua"


Julho.

O calor torna o ar irrespirável de tão opressivo.

A energia que emana da pedra granítica dos paralelos na rua dá-nos a ilusão do ondular da paisagem, como no deserto do Sahara, onde as rochas parecem derreter na linha do horizonte.

Mas a noite chega, enfim, e traz o manto de frescura e o canto dos melros a celebrar a beleza estonteante da lua cheia…

Em casa, com a varanda da fachada voltada para o jardim, Melina dá os últimos retoques na mesa pronta para o jantar.


O perfume da carne temperada com ervas aromáticas está espalhado pela casa toda.

Os doces repousam no aparador: a mousse de manga, com o seu perfume doce e ligeiramente acidulado; o creme de maçã com canela, polvilhado de bolacha pulverizada e recoberto com uma generosa camada de natas; o irresistível tiramisú – oferta de Grazia, cujo olhar verde só assemelha aos dos meus irmãos –; a mousse de abacate, enriquecida com vinho do porto; o doce da avó de Catarina – um guloso bolo de bolacha, guarnecido com uma finíssima camada de ovos-moles. E, claro, o bolo de Luna, feito pela mãe, com tâmaras, damascos e ameixas secas, figos desidratados e uma profusão de passas avelãs, amêndoas e nozes envolvidas na massa de cor escura do açúcar mascavado…E, por cima, uma generosa cobertura de chocolate preto.

Mas a mim não me deixam nem tocar com a pontinha dos bigodes no aparador…

Escondo-me debaixo da mesa, onde sempre acabo por lambariscar qualquer coisita…

Melina está atarefadíssima, desde o princípio da tarde, a cozinhar doces e salgados.

Agora mesmo está a retirar do forno o rolo de carne e as kiches de legumes verdes, frango e cogumelos…

É a mulher-estrela mais linda do mundo, com os olhos e cabelos dourados e as faces de coral e de avental atado à cintura…

Uma cara de sol.

Um riso estival, condensado numa gargalhada que enche a casa inteira de alegria.

Melina faz anos hoje. A casa está cheia de convidados.

Alegres e bem-dispostos.

Por causa do sorriso de Melina.

A melhor amiga de Luna, a minha amiga de beleza nocturna.

A duas: simétricas.

O dia e a noite.

Luz e sombra.

O Sol e a Lua.

Já encetadas as sobremesas, chega a altura de cortar o bolo de aniversário, trazido por Luna.

E a Lua está, agora, no seu zénite.

Melina exclama:

- Vejam, encomendei uma Lua gigante, de propósito para esta noite!

E corta o bolo.

Luna levanta-se e, em vez dos habituais Parabéns ouve-se:

Libiamo, libiamo ne' lieti calici

Che la bellezza infiora,

E la fuggevol ora

S'inebri a voluttà.

Libiamo ne' dolci fremiti

Che suscita l'amore,

Poiché quell'occhio al core

Onnipotente va.

Libiamo, amor fra i calici

Più caldi baci avrà.

O brinde termina com uma ensurdecedora salva de palmas.

Melina é a felicidade em pessoa.

A transbordar de alegria para os convivas como uma dourada taça de champagne.


Desert Rose

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2007-05-07

Experimentando a vida


Stefan Sagmeister foi o designer escolhido para o novo logo da Casa da Música.
«Everything I do always come back to me» é a inscrição que foi colocada na «Onda» da Casa da Música e que dá o mote à instalação.

Foi impressionante, tinha acabado de atravessar a Avenida da Boavista e, deparo-me com esta experiência de causa-efeito que caiu como um meteorito na minha vida. A impressão remete-nos para um cenário colorido, um país das maravilhas que encontramos em nós.
Entrei.Saí. Mergulhei em mim.Vi-me ao espelho, por dentro e por fora. Arabie.

Deixo-vos uma lista de experiências que assinam várias campanhas de S. Sagmeister:

Helping other people helps me.
Having guts always works out for me.
Thinking life will be better in the future is stupid. I have to live now.
Starting a charity is surprisingly easy.
Being not truthful works against me.
Everything I do always comes back to me.
Assuming is stifling.
Drugs feel great in the beginning and become a drag later on.
Over time I get used to everything and start taking for granted.
Money does not make me happy.
Travelling alone is helpful for a new perspective in life.
Keeping a diary supports personal development.
Trying to look good limits my life.
Material luxuries are best enjoyed in small doses.
Worrying solves nothing.
Complaining is silly. Either act or forget.
Actually doing the things I set out to do increases my overall level of satisfaction.
Everybody thinks they are right.
Low expectations are a good strategy.
Whatever I want to explore professionally, its best to try it out for myself first.
Everybody who is honest is interesting.

http://hillmancurtis.com/hc_web/film_video/source/sag.php