2007-05-12

"A festa do Sol e da Lua"


Julho.

O calor torna o ar irrespirável de tão opressivo.

A energia que emana da pedra granítica dos paralelos na rua dá-nos a ilusão do ondular da paisagem, como no deserto do Sahara, onde as rochas parecem derreter na linha do horizonte.

Mas a noite chega, enfim, e traz o manto de frescura e o canto dos melros a celebrar a beleza estonteante da lua cheia…

Em casa, com a varanda da fachada voltada para o jardim, Melina dá os últimos retoques na mesa pronta para o jantar.


O perfume da carne temperada com ervas aromáticas está espalhado pela casa toda.

Os doces repousam no aparador: a mousse de manga, com o seu perfume doce e ligeiramente acidulado; o creme de maçã com canela, polvilhado de bolacha pulverizada e recoberto com uma generosa camada de natas; o irresistível tiramisú – oferta de Grazia, cujo olhar verde só assemelha aos dos meus irmãos –; a mousse de abacate, enriquecida com vinho do porto; o doce da avó de Catarina – um guloso bolo de bolacha, guarnecido com uma finíssima camada de ovos-moles. E, claro, o bolo de Luna, feito pela mãe, com tâmaras, damascos e ameixas secas, figos desidratados e uma profusão de passas avelãs, amêndoas e nozes envolvidas na massa de cor escura do açúcar mascavado…E, por cima, uma generosa cobertura de chocolate preto.

Mas a mim não me deixam nem tocar com a pontinha dos bigodes no aparador…

Escondo-me debaixo da mesa, onde sempre acabo por lambariscar qualquer coisita…

Melina está atarefadíssima, desde o princípio da tarde, a cozinhar doces e salgados.

Agora mesmo está a retirar do forno o rolo de carne e as kiches de legumes verdes, frango e cogumelos…

É a mulher-estrela mais linda do mundo, com os olhos e cabelos dourados e as faces de coral e de avental atado à cintura…

Uma cara de sol.

Um riso estival, condensado numa gargalhada que enche a casa inteira de alegria.

Melina faz anos hoje. A casa está cheia de convidados.

Alegres e bem-dispostos.

Por causa do sorriso de Melina.

A melhor amiga de Luna, a minha amiga de beleza nocturna.

A duas: simétricas.

O dia e a noite.

Luz e sombra.

O Sol e a Lua.

Já encetadas as sobremesas, chega a altura de cortar o bolo de aniversário, trazido por Luna.

E a Lua está, agora, no seu zénite.

Melina exclama:

- Vejam, encomendei uma Lua gigante, de propósito para esta noite!

E corta o bolo.

Luna levanta-se e, em vez dos habituais Parabéns ouve-se:

Libiamo, libiamo ne' lieti calici

Che la bellezza infiora,

E la fuggevol ora

S'inebri a voluttà.

Libiamo ne' dolci fremiti

Che suscita l'amore,

Poiché quell'occhio al core

Onnipotente va.

Libiamo, amor fra i calici

Più caldi baci avrà.

O brinde termina com uma ensurdecedora salva de palmas.

Melina é a felicidade em pessoa.

A transbordar de alegria para os convivas como uma dourada taça de champagne.


Desert Rose

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11 Comments:

Blogger arabie said...

Estas sobremesas lembram a casa de uma querida amiga.

a maior surpresa foi a mousse de abacate regada com Vinho do Porto, é a minha sobremesa preferida!!!

13/5/07 4:49 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Exactamente!

;-)

Também gosto muito!

CSD

13/5/07 9:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A Melina, é uma mulher cheia de sorte...por ter uns olhos como os teus, a olharem, assim, para ela ;)

A Melina, creio, é uma mulher MUITO feliz
por ter os amigos lá em casa...

e por ter, claro, um gato tão atento, tão querido, tão carinhoso

tão, deliciosamente, guloso :)

beijo, linda.
amei.

beijo, tb, querida arabie ;)

M

14/5/07 9:41 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Outro beijo para ti, M!

CSD

14/5/07 11:36 da manhã  
Blogger un dress said...

isto aqui é uma conspiração praguçar o apetite...!


:))

16/5/07 11:27 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É mesmo!

É só "gente" gulosa!

Tanto humana como animal!


Um beijo


CSD

17/5/07 10:41 da manhã  
Blogger Nilson Barcelli said...

Fiquei cheio de fome...
Coitado do gato, merecia uma narradora mais complacente com os seus bigodes. Acho que devias deixá-lo comer qualquer coisa numa das próximas histórias (amanhã...?).
Nadei um pouco na parte em italiano, mas acho que apanhei o sentido.
Este conto é mais uma bela peça literária a que já estamos habituados.
Beijos.

17/5/07 10:23 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

O gato não pode meter os bigodes nos doces... pode fazer-lha mal...mas um peixinho de vez em quando, uma fatia de quijo (não muito salgado) ou uma fatia de salmão fumado em vez de fiambre e ele já de dá por contente...

:-)


Beijinho e obrigada pelos teus comentários!


CSD

18/5/07 10:42 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

É verdade!

Já tenho outro conto manuscrito!

Amanhã passo-o a computador!

Bjo


CSD

18/5/07 10:43 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Ah!É verdade!

Esqueci-me de dizer que (para quem não sabe ou aprecia música lírica)o texto em italiano é retirado do primeiro acto da ópera "La traviatta" de verdi!

CSD

18/5/07 5:12 da tarde  
Blogger Rui leprechaun said...

Não acredito!!!!!!!!!!!!!!!

Olha que nem eu escrevo tanto... meu lindo Coração santo! :)*

Pois, já nem tenho gatos, mas há pássaros cá em casa, sim. Não dentro nem em gaiolas, apenas no varandim do quarto da minha Mãe, onde deixo as sementes e o pão ou migalhas de bolo para os pombos e pardais.

É um som bem doce, ouvi-los aqui a piar. Por vezes, aproximo-me, muito devagar por trás das cortinas. Bem, os pombos não se importam muito, continuam a debicar descansados. Mas a pardalada não gosta de espias, mania da privacidade, ó Sousa Dias! :)

E onde moras, mui terna Cláudia? Talvez já me tenha cruzado contigo, aqui num dos parques junto a casa. Ah, por falar nisso, e recordando ainda os pássaros...

Neste inverno, saí muitas vezes a passear pela escuridão nocturna mesmo a desoras. Gosto do frio, se não houver vento, e mais ainda das ruas inteiramente desertas. De facto, aqui quase nem se vêem cães ou gatos, é mesmo uma raridade!

Mas, surpreendentemente, bem de madrugada os pássaros piavam! Creio que é talvez a exagerada luminosidade dos jardins, com essas lâmpadas reflectoras no solo, não sei. Era um som bem agradável, uma companhia terna na vastidão nocturna... estrelas, luar e imensa serenidade p'ra sonhar!!!

Senhora que só sei aqui imaginar...

Rui leprechaun

(...mas que pressinto divinalmente bela para amar!!! :))


PS: Satanás!?! Mas então isso diz-se ao rapaz?! ;)

Oh!!! But it as SO good writing all this crazy nonsense to You!!! I was really sad and downcast when I came here and now I smile and even laugh...

...Ísis divina!... Claude Smirnoff!!! :D

22/5/07 1:12 da manhã  

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