2008-01-21

Homenagem a Mário Cesariny na Fundação Cupertino de Miranda



Durante três dias – 22, 23 e 24 de Novembro último – a Fundação Cupertino de Miranda foi palco de homenagem ao poeta e pintor Mário Cesariny, a qual iniciou com a inauguração da exposição – cujo acervo inclui objectos, obras e manuscritos do artista – no dia 23. A referida homenagem terminou no Sábado, dia 24, data em que o público foi brindado com a apresentação de Titânia, obra póstuma do Autor, e com a apresentação, também, do projecto de construção do Centro de Estudos para o Surrealismo em Famalicão. Um recital de poesia e piano, com as respectivas interpretações de João Grosso e Afonso Malão coroaram o evento.

Os Encontros Mário Cesariny contaram com a intervenção de Manuel Rosa, da Editora Assírio &Alvim. Manuel Rosa dissertou sobre a obra poética e plástica do poeta e pintor surrealista, dando ênfase o riso do poeta como característica que o distingue dos restantes humanos pelas emoções nele contidas e que estão projectadas, decalcadas nos seus versos: “um riso ácido, sarcástico, que atravessava o espaço; (…) que causava incómodo (…) e um povo apreciador do poucochinho, das piadinhas e das graçolas, não aguentava o riso de Cesariny”.

O editor salientou, também, a importância dada pelo Autor à liberdade emocional na sua obra, o que obrigava a uma ruptura não só com o código moral vigente da época, mas também com os cânones estéticos, então em vigor. Uma ruptura que despoletou o aparecimento do surrealismo na poética portuguesa, assim como nas artes plásticas.

A Dra. Joaquina Madeira, presidente da Comissão Instaladora da Casa Pia de Lisboa, empenhou-se, por seu lado, em mostrar que essa mesma ruptura com a corrente estética, então em voga em Portugal, implicou também uma ruptura epistemológica face à utilização da Arte, nomeadamente da literatura, com o objectivo de proceder à massificação do pensamento colectivo. Cesariny quis, pelo contrário, enfatizar a importância do respeito pelo individualismo. O que, na óptica da Dra. Joaquina Madeira, justifica a atribuição do nome de Mário Cesariny à Academia Pedagógica e artística da casa Pia, destinada a promover o talento individual das crianças mais desfavorecidas, e o respeito pela especificidade de cada um.

A homenagem prosseguiu com a apresentação da obra póstuma do Autor, intitulada Titânia, com desenhos de Cruzeiro Seixas, a ilustrar os textos de Cesariny, seguida da intervenção do professor Perfecto E. Cuadrado o qual evidenciou o quanto “Cesariny foi um homem extremamente livre (…), olhava a vida com aquilo a que André Breton chamava de «o olhar selvagem» ou «o olhar de criança», «com um estado de absoluta disponibilidade para a vida».
Cesariny teve, ao que tudo indica, uma infância difícil, marcada por um relacionamento conflituoso com o pai, ourives de profissão. Já com a mãe, de origem castelhana, o jovem Mário teve um relacionamento mais próximo, mais terno.

Indo de encontro ao tema já dissertado pelo Editor da Assírio e Alvim, o Pr. Perfecto Cuadrado mostrou o quanto o Poeta necessitava de romper com os cânones estéticos que dominavam o panorama artístico nos anos 40 em Portugal – o neorealismo encabeçado por Fernando pessoa e o existencialismo.

Cesariny terá sido, então, um dos principais responsáveis pela introdução da corrente surrealista em Portugal, influenciado por André Breton, na escrita, ou Salvador Dali, na pintura, como contraponto ao falso humanismo do neo-realismo socialista da época.

“Mário Cesariny, levanta a sua voz, independente e livre, através da poesia, usando o heterónimo de Nicolau Cansado Escritor, o qual, coloca figuras da retórica como a paródia ou o pastiche, ao serviço de uma crítica feroz, dirigida à corrente poética dominante”.

Mário Cesariny coloca na poesia e, também, nos seus trabalhos plásticos, a denúncia da realidade social da época. Nomeadamente, que não existe romantismo na pobreza e que esta é, na realidade, obscena. O artista pretende desmistificar, ou melhor, desmascarar, a “poesia engajada, politizada”, destruindo a ideia do Povo mitificado, ao dirigir a sua ácida verve aos moralistas, com a sua crítica feroz, particularmente a Fernando Pessoa e, mais especificamente, ao heterónimo Álvaro de Campos, referência obrigatória nos círculos literários nos anos 1940.
O professor P.E. Cuadrado terminou a sua intervenção com dois poemas: o primeiro, de Cesariny, em homenagem a Mário de Sá-Carneiro; o outro, de um poeta castelhano, Enrique Carló,em homenagem a Cesariny.

Perfecto Cuadrado foi o orador que teve o condão de absorver de tal forma a atenção da audiência – ao “falar” com as mãos, que acompanham as modulações dramáticas da sua voz – que fez detonar um entusiástico e prolongado aplauso por parte do público presente no Auditório da Fundação Cupertino de Miranda.

A sessão prosseguiu com a apresentação do projecto do Centro de Estudos para o Surrealismo pelo Arquitecto Armindo Costa – Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – o qual evocou a memória de Cupertino de Miranda pelo seu filantropismo, manifesto na criação da Fundação com o seu nome, a qual guarda, actualmente, o espólio correspondente à obra de Cesariny e de outros surrealistas portugueses”.

O projecto do Centro de Estudos para o Surrealismo, que é da responsabilidade dos arquitectos Duarte e Nuno Simões, irá incluir uma sala de exposição permanente, com o objectivo de albergar o acervo relativo à obra dos artistas do movimento surrealista – actualmente expostas na fundação Cupertino de Miranda –, uma biblioteca e um auditório.

O edifício foi planeado de forma a causar impacto visual nos visitantes através de fortes contrastes no que respeita às proporções, e a potenciar o efeito dramático das obras nele contidas.

“A finalidade do estilo arquitectónico adoptado para este edifício é a de albergar a obra pertencente à corrente surrealista. Torna-se, por isso, necessário criar um edifício que esteja de acordo com esta corrente estética”, sublinha o arquitecto.

A homenagem a Mário Cesariny terminou com um recital de Piano e Poesia, com a respectiva interpretação de Afonso Malão e de João Grosso.

Duas interpretações sublimes, a de Afonso Malão com música de Lopes Graça e a de João Grosso, cuja intensidade dramática esteve à altura da escrita de Mário Cesariny, o poeta que empunhava a bandeira do surrealismo contra a hipocrisia kitsch da sociedade portuguesa do Estado Novo.


Cláudia de Sousa Dias

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7 Comments:

Blogger entredentes said...

bom saber!

22/1/08 12:59 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

:-)

beijo

CSD

22/1/08 12:50 da tarde  
Blogger un dress said...

amei o doc da vida dele. já era mas fiquei ainda mais apaixonada

pela direiteza deste homem!!


beijO cláudia!

Obrigada por estas boas notícias e apontamentos!! muito!

23/1/08 12:43 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada eu pela tua visita, companhia e amizade!

Um beijo


CSD

23/1/08 12:45 da tarde  
Blogger Dalaila said...

adoro Cesaryni, e adorei ler este post sobre a homenagem a este grande poeta de palavras...

beijo

23/1/08 5:00 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Outro para ti!


:-)


CSD

23/1/08 6:21 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

No blogue de Eduardo Carneiro tem algo sobre Cesariny, mas este explica mais...
Parabéns

4/5/08 5:16 da tarde  

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