2ª Sessão dos “Ciclos de Música e Poesia” na Fundação Cupertino de Miranda
Francisco Reis
(desconheço autor da foto)
Maria Bochicchio por Graça Martins
A Fundação Cupertino de Miranda é, desde Janeiro último, o lugar onde se fundem a Música e a Poesia, prolongando-se até Maio de 2010, sempre com periodicidade mensal. A sessão passada, que se realizou no passado dia 23 de Fevereiro, contou com a presença do jovem pianista Francisco Reis, cujo desempenho se apresentou variável ao longo do espectáculo, destacando-se a interpretação de Chopin.
Na segunda parte do espectáculo, o público foi brindado com a já habitual presença de Isaque Ferreira, membro do grupo teatral Caixa Geral de Despojos e, com a convidada especial Maria Bochicchio, a qual nos deliciou com a leitura de alguns dos mais belos poemas de Mário Cesariny em língua italiana. Maria Bochicchio apresentou, também, uma selecção cuidada, variada e criteriosa do que há de melhor em poesia vinda de Itália.
Para Maria Bochicchio, tradutora, ensaísta e docente na Universidade de Coimbra, o seu encontro com a poesia de Mário Cesariny terá sido aquilo a que apelidou de “uma maravilha do acaso”, fruto de um contacto com o professor Perfecto Cuadrado em Barcelona.
De uma entrevista realizada ao Poeta, ainda em vida, Bochicchio recorda “o sorriso vivo e o olhar aberto, com a cinza do cigarro quase a cair como o prolongamento natural dos dedos e o gosto pela vida”, destacando o lado provocador e controverso da personalidade de um Autor que é um dos principais vectores do surrealismo/experimentalismo em Portugal, ao citar as últimas palavras proferidas com as quais fechou a mesma entrevista: Eu sou uma velha puta e gosto da vida. Venha visitar-me mais vezes.
Os poemas de Cesariny, seleccionados para a sessão, foram ditos em Português por Isaque e em Italiano por Maria, o que nos permitiu detectar algumas diferenças subtis de ritmo e melódicas entre ambas as línguas: os poemas vertidos para a língua italiana apresentam-se menos sincopados, ditos num tom mais corrido e aveludado e, por isso, tornados mais “doces” ao ouvido. Ficam no entanto, diluídas as marcas da ironia e do sarcasmo, típicas de Cesariny.
Foram, também, dados a conhecer os poetas italianos de maior relevância, tanto clássicos como contemporâneos. Os poemas foram recitados em português por Isaque e os seus autores comentados por Maria Bochicchio. São eles Alda Merini, poetisa falecida recentemente, estreou-se aos quinze anos, dona de grande instabilidade nervosa, foi submetida a sucessivos internamentos e tratamentos psiquiátricos deixou-nos uma poesia sombria, de características órficas. Durante os últimos anos de vida, Alda Merini já não escrevia, limitava-se a ditar os poemas por telefone. Seguiram-se Eugenio Montale, prémio Nobel da Literatura, uma poesia contemplativa e algo nostálgica de onde foi destacado o belíssimo poema Os Limões; o ultra-romântico Giacomo Leopardi com o poema A si mesmo (A se stesso) e Umberto Saba do qual brota uma “poesia da precariedade” de que é exemplo o melancólico A Solidão (La solitudine).
Depois, ouvimos de Gianfranco Ciabatti o Breviário Estético, a personificar aquilo que Maria Bochicchio apelidou de “recuperação mítica da poesia”. Já Rosselli faz a correspondência entre os ritmos poéticos e musicais, aproximando as duas formas de expressão artística, enquanto Andrea Zanzotto vê a poesia como experiência do limite. Patrizia Valdega, por seu turno, concentra-se nas obsessões eróticas e possessões da mente, optando por encaixá-las em estruturas formais, como o regresso à métrica fechada.
A melancolia regressou ao recital com a poesia de Marco Berisso e, posteriormente, Rabboni com a poesia confessional a encerrar o evento.
Pode-se dizer que, no dia 23 de Fevereiro, a poética italiana contagiou o público português na Fundação Cupertino de Miranda.
Aguardamos com expectativa o próximo recital a 30 de Março.
Cláudia de Sousa Dias
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