2010-03-17

2ª Sessão dos “Ciclos de Música e Poesia” na Fundação Cupertino de Miranda


Francisco Reis

(desconheço autor da foto)


Maria Bochicchio por Graça Martins


A Fundação Cupertino de Miranda é, desde Janeiro último, o lugar onde se fundem a Música e a Poesia, prolongando-se até Maio de 2010, sempre com periodicidade mensal. A sessão passada, que se realizou no passado dia 23 de Fevereiro, contou com a presença do jovem pianista Francisco Reis, cujo desempenho se apresentou variável ao longo do espectáculo, destacando-se a interpretação de Chopin.



Na segunda parte do espectáculo, o público foi brindado com a já habitual presença de Isaque Ferreira, membro do grupo teatral Caixa Geral de Despojos e, com a convidada especial Maria Bochicchio, a qual nos deliciou com a leitura de alguns dos mais belos poemas de Mário Cesariny em língua italiana. Maria Bochicchio apresentou, também, uma selecção cuidada, variada e criteriosa do que há de melhor em poesia vinda de Itália.



Para Maria Bochicchio, tradutora, ensaísta e docente na Universidade de Coimbra, o seu encontro com a poesia de Mário Cesariny terá sido aquilo a que apelidou de “uma maravilha do acaso”, fruto de um contacto com o professor Perfecto Cuadrado em Barcelona.



De uma entrevista realizada ao Poeta, ainda em vida, Bochicchio recorda “o sorriso vivo e o olhar aberto, com a cinza do cigarro quase a cair como o prolongamento natural dos dedos e o gosto pela vida”, destacando o lado provocador e controverso da personalidade de um Autor que é um dos principais vectores do surrealismo/experimentalismo em Portugal, ao citar as últimas palavras proferidas com as quais fechou a mesma entrevista: Eu sou uma velha puta e gosto da vida. Venha visitar-me mais vezes.



Os poemas de Cesariny, seleccionados para a sessão, foram ditos em Português por Isaque e em Italiano por Maria, o que nos permitiu detectar algumas diferenças subtis de ritmo e melódicas entre ambas as línguas: os poemas vertidos para a língua italiana apresentam-se menos sincopados, ditos num tom mais corrido e aveludado e, por isso, tornados mais “doces” ao ouvido. Ficam no entanto, diluídas as marcas da ironia e do sarcasmo, típicas de Cesariny.


Foram, também, dados a conhecer os poetas italianos de maior relevância, tanto clássicos como contemporâneos. Os poemas foram recitados em português por Isaque e os seus autores comentados por Maria Bochicchio. São eles Alda Merini, poetisa falecida recentemente, estreou-se aos quinze anos, dona de grande instabilidade nervosa, foi submetida a sucessivos internamentos e tratamentos psiquiátricos deixou-nos uma poesia sombria, de características órficas. Durante os últimos anos de vida, Alda Merini já não escrevia, limitava-se a ditar os poemas por telefone. Seguiram-se Eugenio Montale, prémio Nobel da Literatura, uma poesia contemplativa e algo nostálgica de onde foi destacado o belíssimo poema Os Limões; o ultra-romântico Giacomo Leopardi com o poema A si mesmo (A se stesso) e Umberto Saba do qual brota uma “poesia da precariedade” de que é exemplo o melancólico A Solidão (La solitudine).



Depois, ouvimos de Gianfranco Ciabatti o Breviário Estético, a personificar aquilo que Maria Bochicchio apelidou de “recuperação mítica da poesia”. Já Rosselli faz a correspondência entre os ritmos poéticos e musicais, aproximando as duas formas de expressão artística, enquanto Andrea Zanzotto vê a poesia como experiência do limite. Patrizia Valdega, por seu turno, concentra-se nas obsessões eróticas e possessões da mente, optando por encaixá-las em estruturas formais, como o regresso à métrica fechada.



A melancolia regressou ao recital com a poesia de Marco Berisso e, posteriormente, Rabboni com a poesia confessional a encerrar o evento.



Pode-se dizer que, no dia 23 de Fevereiro, a poética italiana contagiou o público português na Fundação Cupertino de Miranda.



Aguardamos com expectativa o próximo recital a 30 de Março.

Cláudia de Sousa Dias

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5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

(2)

Subimos uns degraus, em direcção à poesia. Admitimos fisicamente a elevação da poesia, abençoados e esforçados.

Inauguro-me aqui. Estranho os jogos de espelhos, losangos da moda há umas décadas atrás; sentamo-nos em estranhos objectos de sentar, que surpresa serem eles funcionais, o suficiente, no limite.

Releio os meus apontamentos, há citações que bem assinalei, há comentários ou ideias soltas que não garanto serem próprias, ou apropriadas. Vejamos.

Maravilha do acaso.
Afecto.

“Ironia gentil”.

Ora, agora...

É preciso. Bisogno.

“Aspiras o absinto”.

“Os limões”.

Escuta.

“... sussurro dos ramos amigos...”

“Doçura inquieta”.

“Parte da riqueza, que é o cheiro dos limões”.

“O tédio do Inverno”.

“O amarelo dos limões”.

“Trombetas de ouro da solaridade”.

“Talvez enfastiada, talvez compungida”.

O tétrico ledor de poesia, enriquecendo a gravidade com o fado, o desespero, o desprezo, o oculto, a infinita vaidade de tudo, a solidão.

“Sol e chuva no meu coração”.

A sério?

“Muito se sofre”.

A sério?

“Poetisa anómala... linguagem absoluta e arbitrária”.

Não pergunto.

“Pulsões de morte”.

“Às tantas”.

(Disse o tétrico; às quê?, perguntei-me.)

“Surrealidade”.

If assured.

Se sossegados (ou?), se assegurados.

“Breviário da estática”.

“Perguntas do pranto”.

“Um som constante”, enquanto o relógio indiscreto nos comunicava as vinte e três horas.

“Enfermeiros são os hábitos...”

Anunciadas as bizarrias: “Rizomas do sono”; “quanto em ti, quanto?”; “sonhar-vos servos”.

Fomos embora, alguns indiferentes, se alguém se emocionou, e tal efeito perdurou, de bom ou boa actriz se tratava, bravo. Também ninguém se contrariou, monstrando-o sem pudores, the fine pine people não o admitiriam, nem sequer o merecem.

The fine pine people.

The fine pine people.

23/3/10 3:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Dito de outra forma, e de outra perspectiva:

Música e tal e poesia e tal na Fundação do senhor Miranda, numa terça-feira de Fevereiro do degraçado ano de dois mil e dez.

He’s so extraordinarily thin and tall, it took him ages to adjust the piano bench.

The scent of yore.
Wood, floor wax.
Notes. He started playing.

Acumulação de graves.
GRAVES.

Mais adiante, gorjeios, volatas.

Vemos (e entendemos?) as cordas do piano, reflectidas.

The fine people smell like pine. Fine pine.

Harmonias.

WE REST. IF ASSURED
(Citação que não sei determinar a origem.)

Antebraço e coxa proporcionados, extensos, LONGOS. A longitude desses membros.

Cacofonias, encontros, agora uma melodia, uma história.

Lágrimas aspiradas na palma das mãos e mangas de alguém muito orgulhoso (na palma das mães, ou o singular disso, sempre preferimos o singular). Sem cessar. Maestrinas inclinações de pescoço, sem aspas, aspiração contínua.

Afunda as teclas.
Afunda-as.

Vigilância apertada de todas, TODOS os arredores.

(Vela-me os apontamentos, intima-me a aplaudir sem regra.)

É importante intimidar todos os outros à fruição generosa da arte do nosso amigo íntimo.

A dama acompanha ao jeito de nau navegando nos andamentos mais melancólicos.

(Que outra coisa faz uma nau que não seja navegar nem estar exposta num museu? Há metáforas nas quais não se pode envolver uma mulher acima dos quarenta anos. Hei-de aprender.)

(I believe her to be a glorious fuck. Ou estou febril.)

Perfume verde.

Perfumes verdes.


Vénias solenes aplaudidas.

Altíssima vénia.

O angustiado olhar para os espelhos negros do piano. Arpejos para baixo, para todos os lados. Dedos correndo lépidos. Ritmos e alternâncias de ritmo.

Lágrimas aqui ao lado.

She peaks my text. I react. I retract.

O verde e velho veludo das cortinas, talvez real.

Piano e banco de piano abandonados. Regressa. Regressa aos espelhos fúnebres do piano. Regressa com algo russo de tom.

Gorgeous.

Agudos fortes e consequentes, ritmados, dança a sala dentro da sua concentração.

Mamã e o papá: olhem para o nosso virtuoso filho, dezassete insuficientes anos e tantos anos-luz à frente em interpretações clássicas.

Escalas acima e abaixo. Odor intenso a pinho e a resina. Resignado, resinado. Pinho.

Papás orgulhosíssimos.

(1)

23/3/10 3:15 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

bela forma de recordar a noite...

obrigada.


beijos


csd

24/3/10 9:52 da manhã  
Blogger Helena Teixeira said...

Olá Claudia!
Bom,vou ser sincera.Hoje venho de fugida.Assoberba em trabalho,meia constipada,cheia de tosse e a chover a potes....aaaaa...nunca mais são férias...Dia 2 :)

Mas antes,vim deixar o convite da praxe: participe na Blogagem de Abril do blogue www.aldeiadaminhavida.blogspot.com. O tema é: “Páscoa na minha Aldeia”. Basta enviar um texto máximo 25 linhas e 1 foto para aminhaldeia@sapo.pt (+ título e link do respectivo blog) até dia 8 de Abril. Veja mais dia 29/03 no blog da Aldeia!

Jocas gordas
Boa Páscoa
Lena

25/3/10 5:14 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

tenho a certeza de que sou capaz de adivinhar a autoria dos poemas aqui apresentados

:-D


csd

5/4/10 2:42 da tarde  

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