2008-06-19

Cineliterário - "A Selva" de Leonel Vieira


Desta vez o filme escolhido para o Cineliterário baseia-se num belíssimo romance de Ferreira de Castro a fazer lembrar O Coração das Trevas de Joseph Conrad.


Vejam o filme, leiam o livro e descubram as diferenças!


Não percam amanhã, dia 20 de Junho na Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão às 21 e

30!



A entrada, como sabem, é livre.


A Selva (Portugal / Brasil / Espanha 2002)


Alberto é um jovem monárquico português, que em 1912 se encontra exilado em Belém do Pará, Brasil. É, então, contratado por Velasco, um capataz espanhol, para trabalhar no seringal de Juca Tristão, em pleno coração da Amazónia. Após uma longa viagem pelo rio Amazonas, aporta ao seringal Paraíso, indo trabalhar na recolha da borracha sob a protecção de Firmino. Depois de um difícil período no coração da selva, Alberto é colocado no armazém do seringal. Nesse lugar inóspito, passa a conviver com Juca Tristão, o patrão; Velasco e Caetano, os seus capatazes; Guerreiro, o gerente, e a sua bela mulher, Dona Yáyá; e um velho e misterioso negro, um antigo escravo chamado Estica. Ao fim de pouco tempo apaixona-se por Dona Yáyá, envolvendo-se com ela num romance inesperado.



Realização: Leonel Vieira


Interpretação: Diogo Morgado, Maitê Proença, Karra Elejalde, Chico Diaz, Carlos Santos, Tó Melo, Cláudio Marzo, Gracindo Júnior, Sergio Villanueva


Duração aprox.: 104 minutos


Classificação: M/16

Etiquetas:

2008-06-07

Ainda "O Amante"...


Debate sobre a obra de Marguerite Duras O Amante com a socióloga Maria do Rosário Fardilha na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco


A última sessão do Cineliterário no passado dia 23 de Maio contou com a presença da socióloga e escritora Maria do Rosário Fardilha do blog Divasecontrabaixos.

A excelência da visão de MRF sobre a obra de Marguerite Duras, a acuidade dos seus pontos de vista, para além de uma noção de equilíbrio estético pouco vulgar, fazem dela a pessoa ideal para partilhar com o público, amante da literatura e do cinema, o elevado teor literário e riquíssimo conteúdo temático da obra de Duras. Além de que o vasto conhecimento de Rosário Fardilha sobre cinematográfica da Autora foi uma enorme mais valia para quem teve a oportunidade e o privilégio de assistir ao debate.
Na realidade, Rosário conseguiu magnetizar de tal forma a audiência na noite de 23 de Maio último que os temas surgiam, como as cerejas, encadeados uns nos outros.

Foi abordado, logo no início o carácter auto-biográfico do livro e também o facto de Marguerite Duras não ter gostado da versão de Jean-Jacques Annaud, por fugir um pouco ao enquadramento e à linha de desenvolvimento original da trama.

De facto, Marguerite Duras explora muito mais a temática da família, como MRF fez – e muito bem – questão de frisar, da desagregação dos laços familiares e da relação problemática com aqueles que lhe eram mais próximos – a mãe e os irmãos, Pierre e Paul, do que a relação baseada no amor erótico pelo Homem de Cholan.

Já o filme de Annaud foca, muito mais a faceta do erotismo do que propriamente a desestruturação dos laços familiares. No livro, o número de páginas dedicadas ao “amante” é ínfimo, sendo consagrada a parte de leão da história ao ambiente doentio das relações familiares.

O Amante como obra literária surgiu quando a Autora contava já com 70 anos de idade, emanado directamente de uma necessidade compulsiva, imperiosa, de falar da mãe, da sua frieza, do gelo que dela emanava. E, também, da relação com os irmãos: a violência e os sentimentos ambivalentes de Pierre, o filho preferido e adorado, a dependência deste face às drogas e do jogo; a fragilidade de Paul – física e psíquica -, característica que lhe granjeava por parte da mãe um certo desprezo; e, claro, da ternura e, de certa forma, da maternalidade do Homem de Cholan. E da fragilidade deste, que o torna, tal como Paul e protagonista a qual assume muitas vezes o papel de narradora participante –, susceptível de ser amado.


O livro surge de uma necessidade catártica de escrever – “tudo para ela era escrever”, afirma MRF – desde o romance ao guião para um filme. A Autora tem sobretudo, necessidade de escrever “sobre a mãe e a falta de comunicação nas relações familiares”, quer horizontal quer vertical, segundo o ponto de vista de MRF.


Rosário Fardilha salienta que, no filme e, sobretudo, no livro, a vulnerabilidade que a mãe despreza é, precisamente, a característica que torna as personagens de Duras simpáticas aos olhos do público.


Foi, também, abordada a fragilidade relacionada com a extrema inocência de Héléne Lagonelle – a colega de pensionato da protagonista – assim como a ambiguidade sexual patente nos sentimentos da narradora participante.


Falou-se como não podia deixar de ser, do preconceito racial, omnipresente na obra, amplamente dissecado e exibido, tanto do ponto de vista ocidental como oriental.

E claro, do Impudor na escrita e na vida pessoal de Duras. Foi abordado o Erotismo, fortemente ampliado no filme, sobretudo pela extrema beleza do actor que desempenha o papel do Homem de Cholan, que no livro está longe de ser tão acentuada. Trata-se de um homem de aspecto comum, de aparência frágil e com poucas armas para lutar pela própria independência face ao domínio da família que não aprova a relação.

O impudor na escrita de Duras assume várias formas, sendo uma delas a exposição do sofrimento, patente sobretudo em A Dor, e também, uma assumida amoralidade que sempre esteve presente, de uma maneira ou de outra, na sua conduta, manifesta na total indiferença face às convenções sociais. O inconformismo é a marca que define o trabalho da Autora ao longo de mais de meio século.


Da mesma forma, o apoio económico do Homem de Cholan à família da jovem adolescente é um factor que ajuda a que alguns membros – a mãe e Pierre, sobretudo – se sintam ainda mais humilhados, com uma relação que não é socialmente bem vista.

Discutiu-se, ainda, com o público a questão da conjuntura política na Indochina francesa no período situado entre as duas grandes guerras – a localização espácio-temporal da acção – para contextualizar a emigração da família do Homem de Cholan, vinda da China para Saigão e, simultaneamente, a conjuntura económica dentro da qual se dá o empobrecimento da família da jovem protagonista, que se vê alvo do desprezo por parte dos colonos franceses devido ao fracasso económico.

Foi analisado ainda o percurso da carreira de cineasta de Marguerite Duras, que se dedicou, sobretudo, a explorar o género experimentalista. As divergências com Annaud e a relação de Marguerite com o álcool possibilitaram o surgimento do filme tal como o conhecemos.

Rosário Fardilha salienta o ponto de vista da Autora, a articulação dos cenários em conjunto com a alternância do narrador que tanto é participante como omnisciente, dependendo do ponto de vista que se quer mostrar “de dentro para fora” ou “de fora para dentro”.

O filme obteve muitas nomeações em vários festivais mas foi, sobretudo, premiado pela belíssima fotografia, pela mestria conseguida no jogo de luz, sabiamente coada pelas cortinas, pelas venezianas ou por um lençol de chuva.
MRF refere a qualidade do som que é, também, tratado como uma personagem ao integrar-se perfeitamente no cenário, sobrepondo-se e destacando-se, apenas e só, quando estritamente necessário, na altura em que passa a ser protagonista durante a cena final com a valsa de Chopin…

Muito mais haveria a dizer sobre uma obra de conteúdo inesgotável…

Talvez para um dos próximos Cineliterários.


Um grande, grande obrigada à MRF por vir de propósito de Aveiro a Famalicão, por amor à Literatura e ao Cinema como forma de Arte…

Cláudia de Sousa Dias

Etiquetas: