Para muitos espectadores a enorme expectativa criada à volta do concerto de Yann Tiersen, que teve lugar no passado dia 6 de Março na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão prendia-se, sobretudo, com o trabalho que deu origem às bandas sonoras dos filmes O fabuloso destino de Amélie Poulain e Goodbye Lenin.
No entanto, as arranjos musicais elaborados pelo compositor que, no seu último trabalho, sintetiza dois géneros musicais completamente opostos – o clássico e o rock – possibilitaram o reconhecimento imediato das melodias de pendor mais clássico, presentes em trabalhos anteriores, que surgem agora “vestidas” de um dinamismo proporcionado pelos instrumentos eléctricos, cuja energia contagiou o público. Este viu-se literalmente transportado para o estado de euforia e delírio, que se traduziu num dos mais entusiásticos aplausos da História da Casa das Artes.
A guitarra eléctrica substituiu, por diversas vezes, ao longo do concerto, o violoncelo, enquanto que, noutros momentos, o virtuosismo do violino manipulado por Tiersen, quase imitava o som das gaivotas e das orcas, ao interpretar uma das melodias do seu trabalho Le Phare, onde predominam os sons da beira-mar – uma das prestações mais aplaudidas do espectáculo.
Uma das guitarras foi, muitas vezes, percutida como se se tratasse de um xilofone – golpe de audácia criativa que caracteriza o compositor - , instrumento utilizado com bastante frequência nos trabalhos de Tiersen, enquanto que a imitação do som do vento resultava de uma combinação do som do violino com a manipulação de uma serra de carpinteiro.
O concerto revestiu-se de um grande ecletismo rítmico, onde o espectador melómano pôde sentir-se passar, de uma momento para o outro, do paraíso ao Inferno, através da criação de um contraste chocante entre a agressividade da guitarra e dos instrumentos de percussão, com a doçura do xilofone.
Por outro lado, a calma e a envolvência da voz de Tiersen, que substituía o timbre aquático da voz de Shannon Wright, opunha-se ao ritmo dos instrumentos electrónicos impróprio para cardíacos.
Mais perto do final do espectáculo, nos temas instrumentais retirados do álbum Les Retrouvailles, a guitarra e o órgão criam como que uma música fantasmal a lembrar uma viagem nocturna na auto-estrada do silêncio.
Subitamente, os gemidos do violino rasgam a noite com os seus requebros, a fazerem lembrar os mais complexos capricci de Paganini. O canto do violino é, por sua vez, cortado pelo impressionante abalo sísmico da bateria, após o qual, a voz de Yann Tiersen, regressa como um narcótico.
Por fim, chega aos nossos ouvidos a doçura dos acordes de um acordéon, a trazer à memória as cenas interpretadas por Audey Tautou ao interpretar Amélie Poulain, numa melopeia repentinamente transmutada num ritmo galopante, onde o arco do violino de Tiersen se movimenta num frenesi dionisíaco, parando abruptamente.
A multidão aplaude, em êxtase absoluto.
O concerto termina. A multidão grita “bravos”. Ouvem-se assobios estridentes. O público permanece de pé a bater palmas durante mais de dez minutos seguidos, exigindo o regresso do músico.
Yann Tiersen volta ao palco para os encores.
O violino e o som do marulhar das ondas inundam o auditório. O compositor terá ainda de regressar mais duas vezes ao palco. O Público está simplesmente insaciável.
A seguir veio a sessão de autógrafos, após a qual o compositor ainda cedeu alguns minutos do seu tempo para uma mini-entrevista, antes de partir com a sua banda para Lisboa.
Em resposta ao pedido do Jornal Cidade Hoje para falar um pouco do seu último trabalho, Yann Tiersen afirma:
«A minha intenção foi a de construir versões completamente diferentes da minha anterior discografia, partindo das velhas canções. Foi como que um começar de novo, um renascimento, um abrir de novas portas.»
A formação de Yann Tiersen é clássica, tal como tivemos a oportunidade de observar pela mestria demonstrada nos seus solos ao violino ou, em trabalhos anteriores, ao piano.
«Eu estudei piano e violino desde os seis até aos doze anos de idade. Depois, já “farto”do estilo clássico, descobri o rockn’roll, nos anos da minha adolescência. Fundei uma banda. E agora, com este novo “live álbum” fecha-se o ciclo ao reunir os dois estilos em palco!».
Quando lhe perguntamos se para o próximo ano ou daqui a dois anos, poderemos contar com Yann Tiersen na Casa das Artes de Famalicão, acompanhado por uma orquestra ele responde simplesmente:
«Talvez as duas coisas: a orquestra e a guitarra eléctrica…»
E foi assim a noite de 6 de Fevereiro de 2007 em que Yann Tiersen levou ao rubro a cidade de Famalicão.
Um compositor contemporâneo, cujo talento o colocará, sem sombra de dúvida, na galeria dos Imortais.
Ficámos à espera, num eterno encore.
Cláudia de Sousa Dias
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