2012-07-09

Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Polonaise, de Yevgeni Onegin



Photo by Erkan Torunn for Resim & Fotoğraf

Todas as cores eram suaves naquele tempo
em que acreditávamos que a divindade existia.
Hoje o nosso amor distribui-se por pequenas parcelas
de nuvens cor-de-rosa, alguns segmentos de sol que tomaram a forma de um lago
sobre o nosso olhar, um risco entre duas coisas
que já não sabemos nomear mas estão lá, perante as nossas mãos
chegam a queimar os sentimentos e a magoar como jamais pudemos imaginar.
A divindade ainda vive, tal como vivem coisas imemoriais
entre nós, mas talvez se tenha perdido o sentido essencial
do que habita a alma nestes dias, o poderoso triunfo
da aliança sobre todos os eventos. Sentamo-nos nesta pedra
e esperamos, um processo de múltiplos brilhos emerge do céu
para que contemplemos a dor, às vezes adormecemos
para escutarmos as vozes do que aconteceu e o pesadelo
adensa sobre as cabeças esse ruído indizível de muitos anos
de desolação após outras tantas estações de uma felicidade quase subversiva, alheia
a tudo quanto dói e fere. Hoje é possível dizer que o amor
nos induziu às sete partidas do mundo e a clareira nos espera
ainda se algo mais denso pulsar na pedra do nosso contentamento, eu digo
como te entrego este bloco de sílabas inesperadas
para compreender todas as turbinas do mundo, os seus vulcões,
o movimento que enche o coração e há-de animar
de novo a divindade a operar o milagre da transfiguração e da esperança.
Amo-te dezenas de vezes e de mil maneiras diferentes, carrego nos dedos
este inebriamento de mel com o teu nome e o teu odor
e sei como há plácidas tempestades entre dois seres,
a flor do meu segredo é essa pulsão que conduz às tuas raízes
para que um imenso vendaval de pétalas floresça
no meu peito, meu amor,
um surto de escuridão.

in O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008
© de Amadeu Baptista

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