NO ABERTO E OCULTO CONHECIMENTO DO AMOR
Eu levo a tua cruz
ao pescoço.
Não sei o que significa
nada sei de cristianismo
nem de Cristo.
Mas sinto a tua pele
contra a minha,
a tua essência,
onde o mais mínimo movimento nas profundidades
arranha
a clara superfície da água.
Oh, vaga
ou elevação
dos assentamentos nas profundidades!
Tu estás lá.
Tu estás lá!
tu água viva,
tu o mais fresco manancial
de onde bebo a coragem
para existir.
Enquanto sob frágeis asas de avião,
debaixo de mim,
crepitam águas tenebrosas
com cristas de ondas próximas, indiferentes.
E nos dão as costas
ruas e passeios
de nomes que recentemente nos eram tão familiares:
Langelinie,
Katajanokka –
e – como num idioma quase estrangeiro –
Skeppsbrokajen…
No nosso tempo
todos os mares se converteram em lagos.
Pela primeira vez na história
a terra pôs-se redonda.
Eu vivo
com o horizonte desses olhos…
E os homens resistiram
rebelaram-se contra os centuriões da injustiça,
desafiaram o frio e o ardente sol metálico
dos campos de concentração,
resistiram no duro trabalho quotidiano,
o enganoso ronronar de um pedalar no vazio,
aguentaram o frio da cama solitária:
alguém soube quem são.
E tu por uns escarpados corredores, novos
apressas-te
com o peito dorido
por requisito de competência,
exigência de concorrência,
pelas ânsias e o direito
a uma vida própria:
à legitimidade de que sem falsas moedas
e falsa dependência
alguém possa eleger distância e proximidade,
terra de cultivo, terra rochosa e princípio; oh amor!
Levo a tua cruz ao pescoço.
Mas é uma cruz invisível.
Invisível como a grilheta
e o sinal da cruz na face –
Com as tuas unhas e a tua boca e os teus dentes
vacinaste-me
conta o nada.
E cada dia,
a nossa quotidianidade,
é um milagre.
Östen Sjöstrand
Strömöverföring, 1997
Notas de tradução:
Langelinie: porto e parque de Copenhaga
Katajanokka: arrabalde de Helsínquia
Skeppsbrokajen: cais no centro de Estocolmo
Tradução de Amadeu Baptista
Etiquetas: poemário; Östen Sjöstrand
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