2012-07-09

MIL NOVECENTOS E OITENTA E SEIS

Photo by Emily Cape for Resim & Fotoğraf


Na extensão do quarto não há senão
um lençol vermelho e a mulher.


A cama, ao fundo, e a lâmpada acesa
não são mais que motivos para prender
a atenção.


Dou dois passos absolutamente vacilantes.


O lençol vermelho é de um cetim que cega,
um brilho extenuante.


Mas eu quero ver, quero ver a mulher.


Na extensão do lençol de cetim
a mulher não vacila.


Parecendo
que dorme, tem um sorriso nos lábios,
desconhecido.


Dou dois passos na sua direcção.


Paira no ar um perfume quente,
quase sólido, que me embriaga a ponto
de a querer ou de a matar.


Quero, quero ver a mulher, em toda
a extensão do quarto, surpreender-me
com o fascínio da oferenda, os seios breves
no lençol vermelho, de cetim,


esse sorriso,
assim desconhecido.


A pouco mais de um passo, tocando-a
ao de leve,
sinto que a carne não é carne
nesse momento intenso,
a carne é a visão do desejo sobre um lençol vermelho, de cetim,


em que a lascívia se amplia
e o desencontro
se entrega à claridade da extensão do quarto
para que o crime se consuma
e eu use, cegamente,


este punhal.



in Açougue, Lisboa, & Etc. 2012
© de Amadeu Baptista

Etiquetas: