Guiseppe Verdi: Marcha Triunfal, de Aïda
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Só hoje o poeta passa a acreditar em definitivo.
O quotidiano tantas vezes o encontrou desprevenido
que não viu e não foi visto nesse mistério
de além de partilhar uma palavra
partilhar também a alma, o olhar e o espírito,
e o mais ansioso lugar que o coração preserva.
Só a pedra do mar incidia até agora
no ângulo devastador das suas mãos vazias
e o que viu foi pouco mais que o incêndio
que a nebulosa dos dias um dia lhe entregou
quando não tinha dúvidas sobre a dimensão do céu
e a vida era pouco mais que duas estações,
sempre outono e inverno.
Há quem chame milagre a isto de estar vivo.
Há quem passe pela vida e jamais acredite.
Há quem não tenha fé ou simplesmente a use
para exorcizar os medos soterrados
sobre outros medos sempre inconfessáveis,
com esse rosto terrível de não terem rosto.
Há quem duvide sobre o que persiste.
Tantas perguntas celebra o poeta
que às vezes o olhamos celerado
e pensamos que é já suficiente
saber que a dúvida é o milagre
e no frágil estado em que vive é suportável
esse júbilo secreto que o acompanha.
Falando da tristeza há um vínculo de sangue.
O espaço estuante do horizonte em chamas
em que o poeta vive tem tudo a ver com a crença
que a noite ramifica em segmentos de oiro,
o silêncio e a solidão em que foi sitiado,
e mais do que a ilusão entrega a incerteza
de haver sobre a terra pouco mais que hesitação,
pese embora esse nome chamado confiança.
Coisas há que a vida transfigura
como se de repente o tempo se abrisse
e o que era sagrado fosse mais sagrado
e mais belo o movimento sobre o movimento
e em cada cúpula a pomba anunciasse
o derradeiro sinal
tantas vezes sonhado e esperado.
Sobre a surpresa outra surpresa paira
e a sucessão dos dias e das noites
é à memória que sempre deve tudo
quando na cintilação outra luz se abre
e sobre a praia uma criança corre
com o passado nos olhos onde o futuro vibra
e a fulguração de um rosto alastra para sempre
sobre a linha clara da rebentação.
Falando de tristeza há um vínculo que se cumpre
porque tudo se cumpre quando se acredita
e há-de ser o amor o bem que se procura
nesse laço que a memória pressente no presente
e vem iluminar o fio indivisível
do mistério que arde em toda a parte.
O poema o revele e o nome que o assine
e a total alegria com que se entregue o poeta,
nem sequer inocente, nem sequer indeciso,
porque o céu testemunha o que já está escrito
e a estrela que brilha é a estrela da tarde
e brilha mais o brilho em que se acredita.
in O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008
© de Amadeu Baptista
Só hoje o poeta passa a acreditar em definitivo.
O quotidiano tantas vezes o encontrou desprevenido
que não viu e não foi visto nesse mistério
de além de partilhar uma palavra
partilhar também a alma, o olhar e o espírito,
e o mais ansioso lugar que o coração preserva.
Só a pedra do mar incidia até agora
no ângulo devastador das suas mãos vazias
e o que viu foi pouco mais que o incêndio
que a nebulosa dos dias um dia lhe entregou
quando não tinha dúvidas sobre a dimensão do céu
e a vida era pouco mais que duas estações,
sempre outono e inverno.
Há quem chame milagre a isto de estar vivo.
Há quem passe pela vida e jamais acredite.
Há quem não tenha fé ou simplesmente a use
para exorcizar os medos soterrados
sobre outros medos sempre inconfessáveis,
com esse rosto terrível de não terem rosto.
Há quem duvide sobre o que persiste.
Tantas perguntas celebra o poeta
que às vezes o olhamos celerado
e pensamos que é já suficiente
saber que a dúvida é o milagre
e no frágil estado em que vive é suportável
esse júbilo secreto que o acompanha.
Falando da tristeza há um vínculo de sangue.
O espaço estuante do horizonte em chamas
em que o poeta vive tem tudo a ver com a crença
que a noite ramifica em segmentos de oiro,
o silêncio e a solidão em que foi sitiado,
e mais do que a ilusão entrega a incerteza
de haver sobre a terra pouco mais que hesitação,
pese embora esse nome chamado confiança.
Coisas há que a vida transfigura
como se de repente o tempo se abrisse
e o que era sagrado fosse mais sagrado
e mais belo o movimento sobre o movimento
e em cada cúpula a pomba anunciasse
o derradeiro sinal
tantas vezes sonhado e esperado.
Sobre a surpresa outra surpresa paira
e a sucessão dos dias e das noites
é à memória que sempre deve tudo
quando na cintilação outra luz se abre
e sobre a praia uma criança corre
com o passado nos olhos onde o futuro vibra
e a fulguração de um rosto alastra para sempre
sobre a linha clara da rebentação.
Falando de tristeza há um vínculo que se cumpre
porque tudo se cumpre quando se acredita
e há-de ser o amor o bem que se procura
nesse laço que a memória pressente no presente
e vem iluminar o fio indivisível
do mistério que arde em toda a parte.
O poema o revele e o nome que o assine
e a total alegria com que se entregue o poeta,
nem sequer inocente, nem sequer indeciso,
porque o céu testemunha o que já está escrito
e a estrela que brilha é a estrela da tarde
e brilha mais o brilho em que se acredita.
in O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008
© de Amadeu Baptista
Etiquetas: poemário
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