2012-04-18

TRAJECTOS DE DE MEMÓRIA (Para Lurdes Morgado)








Photo by ольга гудима

Era um verde tão verde que ofuscava
o directo trajecto da memória.
Assim se misturavam: cores e luz,
uma manhã de sol há muitos anos,

as tuas mãos em cruz, assim.
Ou ontem a manhã. ou há duas semanas
essa noite estrelada
a invadir a história.

Porque o verde é tão verde
(ou era tão verde) que de todo ofuscava
trajecto de memória. Um céu tão
brilhante, uma varanda - e os tigres

a rodar em sobressalto.
(Já agora, o asfalto muito quente
sob os nossos pés. Canavial imenso
a evocar-se verde e muita paz.

E a falta que fazem anos antes,
papoulas de repente,
tempos de luz de há duas horas
quase. As tuas mãos assim.

Que o verde da janela do comboio:
verde tão verde e obliterante
que só os tigres restam, ardendo,
nesta história.

(Pretérito e presente
- em suas várias formas - rasgados na memória
desses dedos.)


Ana Luísa Amaral
in "Às Vezes , o Paraíso", 1998

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