2010-06-28

Miguel Real: Um Leopardo dos tempos modernos




O escritor Miguel Real (autor de A Voz da Terra, O último Minuto na vida de S.; A Ministra; A morte de Portugal, Memórias de Branca Dias) esteve no passado sábado dia 19 de Junho na biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão para comentar o filme"O Leopardo" do realizador italiano Luchino Visconti, baseado na obra de G. Tomasi di Lampedusa.



Miguel Real, para além de escritor, é também professor de Filosofia e comentador de temas da actualidade no programa de rádio "Um certo olhar" da Antena2, juntamente com Maria João Seixas (actual directora da Cinemateca Portuguesa).



O filme, um clássico do cinema italiano, aborda a questão das transformações históricas e culturais relacionadas com a unificação da Itália no século XIX e o polémico tema da circulação das élites. São 178 minutos de película, marcada pela beleza estética e caracterização social do mundo em vias de extinção.



Miguel Real comentava que hoje em dia “O tempo do Leopardos já passou. Hoje estamos no tempo dos Chacais e das Hienas.”



Os dois arquétipos a que se refere, estão presentes no texto de Lampedusa que serviu de base ao filme aludindo ao modelo de análise social de Vilfredo Paretto, sociólogo italiano e aristocrata do século XIX, que defendia que os movimentos de circulação das elites pressupunham a luta pelo poder de ambas estas facções pela supremacia.





A frase chave, presente no livro e no filme “É preciso mudar para que tudo fique na mesma”, encerra, segundo Miguel Real, “um conteúdo subversivo”, uma vez que contraria a ideia defendida pelo Positivismo e pelo Iluminismo de que a Europa se desenvolve seguindo uma linha contínua em direcção ao progresso ou “em direcção à Luz”. A frase-chave do filme desmente essa ideia.





O Filme não implica uma oposição entre “Luz e trevas” ou entre dois pólos, mas transmite a ideia de que a História em si é uma sucessão de círculos concêntricos que se expandem indefinidamente. Materialmente, o homem melhora cada vez mais, mas o Homem é sempre o mesmo: ou é um Leão, ou é um Chacal. É um ‘homem sem qualidades’ (a firma, aludindo ao escritor Robert Musil). Na época em que se passa a história, vigora a ideia ou Teoria Jesuítica de que os melhores de cada geração venceriam sempre, seriam eles os predadores – os Leões (no topo da cadeia alimentar) – aos quais bastava rugir para aterrorizar. Agora domina o arquétipo oposto – as Hienas e os Chacais (ocupam a posição imediatamente a seguir na cadeia alimentar, representando a burguesia, a alta finança ou o poder financeiro).



Don Caloggero é quem representa esta casta no filme de Visconti . Segundo as palavras de Miguel Realé o Homem que troca os valores por dinheiro. Para ele tudo é mercadoria”.

As famílias como as de Don Caloggero são aquelas que em face a uma oportunidade conjuntural que arruinou as elites de longa data ascenderam ao topo da escala social pelo casamento. É assim que o príncipe e escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa explica a ascensão das famílias da Máfia Siciliana durante os anos que se seguem aos desenrolar dos acontecimentos em O Leopardo.



Para o Autor, hoje os Leopardos quase não existem. Dominam os chacais, um arquétipo que se ajusta ao pensamento do Homem Americano dos dias de hoje que é aquele que vive do interesse, das especulações, que explode o mercado financeiro, mas os seus interesses ficam salvaguardados. Ou então, o Alemão dos dias de hoje. Já o Alemão do século XIX seria um Leopardo. O Príncipe de Salina, o protagonista da obra é o Alemão do século XIX, interessado nas Artes e nas Ciências.





Mas mais desconcertante é a analogia que faz com Friedrich Nietzsche para analisar a psique colectiva do homem Lusitano de hoje: o Português dos nossos dias não tem, a malícia para ser Chacal, nem a força de para ser Leão ou Leopardo. Nietzsche introduz outra figura arquetípica que se adequa ao modelo de comportamento colectivo português: o Camelo.



É o animal que aguenta tudo. O Português é o Camelo. Foi demasiado reprimido para ser Chacal. Por outro lado, o tempo do Leopardo já passou também para nós; desapareceu com Alcácer-Quibir. O camelo aguenta tudo, através do deserto, com a passada sempre igual, caminhando até à morte. E, quando morre é de exaustão. Depois de morto, tudo no camelo é aproveitado, desde a pele até ao sangue. Quando cai sobre as patas dianteiras, já não se levanta. . E, quando morre é de exaustão, depois de caminhar em direcção ao nada”.

E prossegue: O tempo dos Leopardos aplica-se à Grécia Clássica, a Roma (período da república), a Portugal (até Alcácer-Quibir), ao Império Vitoriano. O que não quer dizer que não encontremos Leopardos entre os Zulus, ou numa lojinha de secos e molhados em Buenos Aires.. Para eles, a palavra é que é importante. Fazem negócios através do aperto de mão. Não há a malícia do mercado.


Falou-se, ainda, da estética barroca, dos contrastes entre a paisagem verdejante e a dureza do horizonte de onde domina o Etna, da exuberância da cor a irradiar o calor infernal da canícula siciliana, das personagens, do modelo de família e do conceito de sexualidade, da sacralização do poder, dos vestígios do Antigo Regime, das propriedades que mudam de mãos. Mudam para outro tipo de elites.



É preciso mudar para tudo fique na mesma”.



Conseguiremos?

Cláudia de Sousa Dias

Etiquetas: