2012-04-22

O LUME DA CHEGADA

Photo by Resim & Fotoğraf




Que mais posso fazer, se à frente
dos meus olhos se espraia: chaminé?
Que mais, se nem escrever?

Como em sonho imperfeito,
um quadro meio flamengo ou quase lá,
a chaminé só está: recortada
em cinzento de uma noite de lua
mal crescida

Que mais pedir à vida, senão chaminé solta
sobre casa, sugerindo confortos, abandonos,
e sonos de ternura?
Que mais pedir à vida?

Que mais posso fazer, se mesmo casa adentro
e flores na jarra, a minha chaminé,
como uma asa azul,
me persegue, tão fáunica e nascente?
Que mais, tão realmente?

Senão cantá-la em rima mil cuidada,
senão voá-la em ninho de palavra
e embalá-la em perfume?

Que mais posso fazer, se à frente
dos meus olhos se espraia agora em cume:
o fumo dos seus dedos?

Que mais pedir à vida, senão que em vez
de medos
me incendeie o lume
da chegada?

Ana Luísa Amaral
in “Às vezes, o Paraíso, 1998.

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