ANUNCIAÇÃO
Photo by Resim & Fotoğraf
Se a guerra viesse agora
em forma de canção, o céu tão
de laranja de repente
obliterando o sol,
se a guerra viesse aqui às oito e
meia da manhã e uma
primavera ainda tão de cheiros
e muros luminosos,
se ela chegasse em olho
de ciclope,
não via essa varanda de traseiras,
sapatos de criança em parapeito a este
sol oblíquo? ou a rapariguinha para a
escola, o cabelo molhado e
limpo? persianas erguendo-se de novo
e outra vez, e um rosto? uma mulher de saia
azul e cesto posto ao braço voltando
do mercado? os diários ofícios de silêncio
e amor? relva a nascer? flores
serpentinas? tranças? lenços? pão
quente?
se a guerra aqui viesse
e em brilho incandescente o tempo
se parasse por um segundo
em desperdício agudo
e de rotina ausente
Nem deus nem anjo a radiar
o céu -
sobrado fumegante -
metade de um sapato
e atacador, cavalo replicando
em contra-movimento: resíduos de uma
trança
Ana Luísa Amaral
in "E muitos os Caminhos", 1995.
Etiquetas: poemário
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home