2012-04-09

VARIAÇÕES, INFLUÊNCIAS, ORIGINAIS


Photo by Our Beautiful World & Universe

Há uma coisa qualquer no cheiro
do ar de uma tarde de sábado
e primavera a meio.

                 Pois há. E agora?

Claro que poderia repetir os padrões
já aprendidos (a técnicas do verso,
as cores temáticas dos outros poemas
sobre o mesmo assunto,
a brevíssima desorientação da escrita
nesta fase, todavia pautada
pela imitação)


Podia, mas não quero.
E porque me recuso à desinvenção
do mundo pelas vozes de outros,
o que gostava mesmo era de uma cor única e nova,
de um sentido preciso além do conhecido
para falar deste cheiro diferente
do ar de uma tarde de sábado e primavera
a meio.

Podia até jogar aqui com grafismos
interessantes,
pôr este "a meio" numa posição tal
que apanhasse o centro do verso, e assim
retomar alguns padrões.
Mas não seria invenção. Limpa. Total.


                           Pois não. Mas, e agora?

                           Que faço eu com este cheiro desviado
                            do ar de uma tarde de sábado e
                            primavera a meio?


Pegar-lhe ao colo: isso desejaria.
Servindo-lhe de som sem ser lugar comum,
pegar-lhe ao colo e embalá-lo. Ao cheiro.
Seria original que, de dentro do verso,
eu conseguisse tal proeza;
fazia o mesmo depois co a tarde de sábado
e com a primavera fendida, a que teria de pegar
com um cuidado ainda mais especial
graças À sua condição de doente.
Era original, de facto, que eu pudesse
fazer: um embalo muito belo.

                           Pois era. Então, e agora?


Que se me perco a espraiar por esta angústia,
brevemente será noite e o cheiro
um outro cheiro, tal como o sábado a transitar
solene para o dia seguinte. (Com a primavera
o problema, embora não parecendo,
é muito mais premente: se ainda está fendida,
daqui a mês e meio entrará em fase
terminal, a precisar de muito mais apoio
e hospital de letra muito mais dispendioso.)

Que é que eu faço do cheiro apanhado
fresquinho para o reter aqui,
original? Que é que eu faço do sábado
ainda não domingo? Que é que eu faço
do verso? Que é que eu faço
do vento

que entretanto se ergueu, lento
e insidioso? E tão real?
E que entretanto removeu de mim
a sensação do cheiro, da primavera a
meio? Da tarde ardendo em sol?

A vontade do mundo em invenção
saiu pela janela, como a tarde,
e em seu lugar ficou:

Nem sei, que entretanto tocou
a campainha e interrompeu-me sonhos e
prazeres, deixando-me num limbo mais que lento
(e nem sequer  ópio a consolar).

E, no entanto...


Há uma qualquer coisa neste vento
e um brilho diferente no luar.


Ana Luísa Amaral
in "E muitos os Caminhos", 1995.



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