2011-03-06

“Correntes” na Póvoa - Odisseia 2011 (Intermezzo)



Em cima: Aida Gomes com Maria do Rosário Pedreira, sua Editora; sobre estas linhas, Maria Teresa Horta. Fotos da Galeria Correntes d' Escritas no site da Póvoa de Varzim (ver http://www.cm-pvarzim.pt/povoa-cultural/pelouro-cultural/areas-de-accao/correntes-d-escritas/edicao-2011/galeria-de-imagens/)



Ainda durante a manhã do dia 24 de Fevereiro último, após o debate do segundo painel destas Correntes literárias, tivemos a oportunidade de assistir ao lançamento de dois livros, após uma rápida olhadela de esguelha pelos escaparates da Feira do livro, na Casa da juventude, ao lado do auditório.

Nessa manhã, Maria Teresa Horta e Aida Gomes lançavam os seus livros, “A Paixão de Constança H” e “Os Pretos de Pousa Flores”, respectivamente.

O primeiro consiste numa reedição, planeada inicialmente para o final de 2010. A Autora sublinha, no entanto que, “reeditar não é tão empolgante como editar”. Maria Teresa Horta é uma mulher que fez história nas letras portuguesas, sobretudo quando, no início dos anos 1970, publicou, juntamente com Maria Velho da Costa (premiada o ano passado, presisamente nas Correntes d’Escritas com o romance Myra) e Maria Isabel Barreno, As Novas Cartas Portuguesas, obra que foi objecto de pesada censura e alvo de um processo em tribunal, de onde saiu uma condenação alvo de violentos protestos por partes de figuras da literatura mundial como Doris Lessing e Marguerite Duras. Maria Teresa Horta fez questão de mostrar que, naqueles tempos, não era fácil ser-se escritora e que, inclusive, não se conheciam muitas escritoras mulheres, sobretudo em Portugal. Foi algo que teve de conquistar. Quando decidiu escrever A Paixão de Constança H, Maria Teresa Horta queria uma história de amor fatal, não uma história de amor feliz. A Paixão de Constança H trata de um tema que me é muito caro: a loucura das mulheres.

O livro tem o seu quê de auto-biográfico já que foi inspirado no passado clínico da mãe, submetida a um tratamento drástico no Brasil para tratar uma simples depressão.

A Autora afirma que há todo um historial de estigmatização relativo à desproporcional estatística de internamento das mulheres por parte dos respectivos maridos e que o facto estaria directamente relacionado com o desequilíbrio de poderes entre os cônjuges face a uma certa insubmissão feminina ou a um maior assomo de divergência de opinião em manifesta “desobediência”. Numa situação como esta, era fácil apontar a esposa dependente como “louca”:

- Elas desobedeciam, eles internavam-nas”, afirma MTH.

Ao entrar pelos meandros da pesquisa com o objectivo de investigar as causas de tão elevada incidência de “loucura feminina”, a Autora descobre que esta está relacionada também com a sexualidade e com os respectivos condicionamentos de ordem cultural. MTH frisa que a sexualidade das mulheres é, durante séculos, objecto de sufocação e que o próprio espaço doméstico a que se vêem, na maior parte dos casos, confinadas se torna simplesmente sufocante. A limitação ao espaço doméstico como reacção a uma traição, por exemplo, levava muitas vezes as mulheres a situações limite, à loucura e à desconstrução da personalidade.

A Autora mencionou, ainda casos de mulheres, actualmente com quarenta e poucos anos a viver numa espécie de prisão afectiva (e alguma dependência económica) que se vêem completamente dominadas por uma situação doméstica.

Maria Teresa Horta recusa, no entanto, de forma categórica, que a sua literatura seja só para mulheres exemplificando, da mesma forma, que “não faz sentido que a literatura que fale de racismo se destine apenas a negros ou judeus”, insurgindo-se contra a estigmatização de livros que versem sobre o tema da igualdade de oportunidades entre os géneros ao salientar que “em Portugal, ainda hoje, há muito para fazer.”

O segundo livro de que aqui tratamos é da Autoria de Aida Gomes , uma jovem a viver actualmente na Guiné, onde trabalha ao abrigo de um projecto das Nações Unidas, em missão especial. Nasceu em Angola e estudou Ciências Sociais na Holanda.

Para ela, as Correntes da Póvoa são ventos amenos de afectos.

O seu livro que é uma daquelas obras a que é impossível resistir a comprar e chama-se Os Pretos de Pousa-Flores . Trata-se de um livro de afectos e emoções complexas que entrelaça a História de Portugal e África, numa forma muito peculiar de olhar as pessoas e as relações humanas.

Aida Gomes nota que, em Portugal, as pessoas são apreciadas segundo diversas categorias (estereótipos). E exemplifica comparando atitudes ao recordar o tempo em que estudou na Holanda onde verificou que, após algum tempo, já a olhavam como holandesa; mas em Portugal, sente sempre a necessidade de explicar quem é e o que faz, apesar das afinidades da língua, da história e da cultura em comum com o país de origem.

Acerca do livro esclarece que Os Pretos de Pousa-Flores são uma história de afectos e da forma de cada um procurar os afectos da vida”.


Uma história onde se cruzam vários pontos de vista e formas de viver as relações humanas e o amor que promete uma realidade e um tempero vistas nas suas várias dimensões.

Aida falou ainda da doçura do clima afectuoso da Póvoa e Maria Teresa deu um leve cheirinho acerca do seu próximo romance a ser lançado ainda este ano, sobre uma das poucas figuras femininas da História de portugal: Leonor Pimentel.

E isto só para abrir o apetite. Até porque, já estava na hora de almoço...


Cláudia de Sousa Dias