2007-07-16

O desmaio do pássaro, visto pelos olhos de jade de um gato ciumento




Não sei o que vê a minha dona naquele passaroco peneirento e tão… cagarola…

…que não pode ver uma folha cair da árvore sem dar um salto e esvoaçar, completamente desorientado, esbarrando-se nas grades da gaiola…

Até em sonhos, não deixa de ser o pássaro mais cobardolas que já vi…


Por falar em sonhos, já vos contei o último que tive com ele?

Parece-me que não.

Aqui há três meses atrás, no início da Primavera, estava eu a dormitar à janela, com o sol da manhã a aquecer-me o pêlo e a expulsar os restinhos de Inverno das articulações, quando Luna decidiu pendurar o bicharoco no ramo do pessegueiro do lado de fora da janela.

Ignorei-os aos dois.

Fechei os olhos e inspirei um pouco a brisa que entrava pela nesguinha da janela aberta, fazendo esvoaçar a cortina…

O Júlio, esse melro-pavão, estava, então pendurado na árvore, mesmo à minha frente, só com o vidro a separar-nos.

Parece mesmo provocação…

Por detrás da árvore fica o jardim.

E, por detrás do jardim, o muro de pedra, cheio de buganvílias púrpura, carmim e fogo.

O pássaro grasnava alegre e descaradamente, como sempre, sobretudo quando passeavam diante da gaiola, desafiadoras, as libelinhas de asas transparentes e delicadamente rendadas, borboletas castanhas, amarelas ou brancas e uma ou outra daquelas moscas azuladas.

As rosas do jardim que fica por debaixo desta janela são o paraíso das borboletas, sobretudo as rosas brancas, cujo perfume se chega a ver, toscamente imitado, nas perfumarias.

Assim como o das frésias.

Brancas, também. E amarelas.

Há, também, aquela roseira de um magenta aveludado que lança uma fragrância ligeiramente frutada, doce e, ao mesmo tempo, com uma acidez de maracujá, que atrai os insectos fazedores de mel, que eu quero ver a milhas de distância do meu focinho…

Estava eu tranquilamente a gozar este cenário idílico, meio a dormitar, quando oiço o Júlio esvoaçar caindo, em seguida, abaixo do poleiro, desmaiado…

Fulminado?

Não…

Inconsciente.

Para meu gáudio…(eheheh)

…e, mais à frente, melhor dizendo, ao fundo do jardim, em cima do muro, estava um desses cães boxer, amarelados, com o focinho todo às pregas a olhar para a gaiola e a ladrar…

Curiosamente aquela horrorosa besta ladrava exactamente como aqueles cãezinhos irritantes e minúsculos da raça Chihuahua que eu costumo fazer em picadinho quando me aparecem à frente…

Luna, no escritório, ouviu o barulho, levantou-se da secretária e foi ver o que se passava. Quando chegou à gaiola tratou logo de pegar naquele exagerado, hiper-dramático e histriónico pássaro e pôs-se a fazer-lhe… uma massagem cardíaca…!

Qualquer dia, aplica-lhe uma respiração boca a boca num dos seus inúmeros chiliques…!

Oh! Como eu detesto aquele pássaro!

Se pudesse segurá-lo nos dentes…

Só um bocadinho…

Bem, o pássaro, por fim, lá acordou e voltou para a gaiola.

Não sem antes Luna tê-lo estragado com mimos e até lhe ter dado um pouco de…bolo de coco!


E para mim…nada…!

De repente, abri os olhos e… fiquei sem perceber patavina. A janela estava fechada e eu no sofá encostado às almofadas.

O Júlio estava no jardim de Inverno na varanda coberta com o toldo azul.

Luna chama-me.

O prato de leite espera-me na cozinha.

Está na hora do pequeno-almoço.


Cláudia de Sousa Dias

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10 Comments:

Blogger un dress said...

tu vives dentro de um gato e escreves de lá!! fluida.mente!!

eu...também tenho uma gata agora. bébé.
completamente louca.
tricolor!





beijO

16/7/07 4:00 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Nunca tinha pensado nisso!!!!!!

Mas olha que se calhar é verdade!!!!


Beijo grande!

Ou melhor, dois: um para ti e outro para a tua gata!


Fica bem!!

CSD

16/7/07 6:35 da tarde  
Blogger feniana said...

gostei de te ler.

16/7/07 9:24 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

E eu de te ter aqui!


Beijo

CSD

16/7/07 9:48 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

RSRS, gostei muito da narrativa, Claudia. Os animais são a nossa maior paixão. O desmaio, a respiração boca a boca, hilário mesmo. Linda, vai lá, tem festinha de aniversário. Gosto de festejar tb na net. Leva o pássaro, rs. Beijinhos e fica bem.

19/7/07 3:12 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Oba! Só um instante e eu já pásso lá!


CSD

19/7/07 10:39 da manhã  
Blogger Nilson Barcelli said...

Esse gato é uma das tuas fontes de inspiração mais criativas.
Mas ele ainda vai comer o pássaro...
Estiveste com a Bruna... continua bonita? A foto é tão pequenina... ainda me lembro dela quando era novinha...
Beijinhos.

19/7/07 1:30 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Nilson1

O gato é relamente um amor!

Um doce de criatura. Irias gostar de conhecer.

Mas o pássaro também tem piada.

Sabes que recolhi em casa um falcão bébé, que ainda nem sabe comer sozinho?

Temos de lhe abrir o bico e enfiar a comida lá para dentro como faz a mãe biológica...

Mas é muito precoce...Já voa pelas divisões da casa (voos curtinhos, é claro), já sabe descrever semicírculos em voo ao passar de um quarto para o outro, contornando a esquina direitinho como uma seta em direcção à janela para postar-se no vidro a olhar lá para fora!

Só não sabe comer sozinho. Tem ainda a plumagem da infância deve ainda triplicar de tamanho.
Mas já é a estrela lá de casa.

Desta vez é o melro quem está a
estourar de ciúmes!

Ah! sim ! A Bruna continua linda, agora uma beleza amadurecida, mas integral...

Cláudia

19/7/07 2:41 da tarde  
Blogger ~pi said...

ter dona escritora...não é fácil! :)

19/7/07 7:32 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Só sou dona do pássaro!

O gato é da minha imaginação. Apesar de haver alguém que me foi próximo que tinha um gatinho exactamente igual ao da minha história...

Mas o felino narrador do romance é anterior a esse da minha história pessoal...

CSD
CSD

20/7/07 11:18 da manhã  

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