Anabela Duarte na Casa das Artes – Kurt Weill e Boris Vian reunidos em palco pela voz sublime da cantora
Foi com um enorme e agradável sentimento de surpresa que desfrutámos, no passado dia 18 de Maio, da presença e da voz de Anabela Duarte, a ex-vocalista dos Mler Ife Dada, na Casa das Artes, com canções de Kurt Weill e Boris Vian, num registo totalmente diferente daquele que ficou conhecido do grande público nos anos 80.
Com este espectáculo, Anabela apresenta o seu último trabalho – Machine Lyrique – composto exclusivamente por canções de Boris Vian e Kurt Weill . Dois autores que, pela temática abordada, foram considerados quase que marginais, pelo facto de se dedicarem a parodiar o meio social e cultural, tanto europeu como americano, no período que se seguiu à Segunda Grande Guerra. Weill foi, inclusive saneado, no seu pais natal, durante o período do nazismo, sendo obrigado a emigrar. A intenção de ambos era, realmente, ultrapassar a fronteira do social e politicamente correcto ao escreverem canções como “Le Deserteur” ou “Je bois” (Vian) ou a homenagearem grupos underground como as prostitutas ou os marinheiros, respectivamente caracterizados por Weill com “J’attends un navire” e “Surabaya Johnny”.
Anabela Duarte deleitou o público, desconhecedor da sua faceta de actriz, à qual junta uma belíssima voz trabalhada, ao longo dos anos, durante os quais desenvolveu uma carreira multifacetada: desde a monografia da sua licenciatura – O Fantástico na Ópera McBeth de Verdi – até à interpretação de peças da cena lírica e clássica de autores como Verdi, Bellini, Donizzetti, Strauss, Satie, Bach, Mozart, Carl Orff e Offenbach, entre muitos outros, passando pela dança – moderna e clássica –, o teatro, a música – piano – e, ainda, uma pós-graduação em antropologia. Tudo mais-valias que, em palco, fazem toda a diferença colocando-a a anos-luz de interpretações medíocres.
O dramatismo que coloca em canções como “Je bois” ou “J’attends un Navire” (Vian) ou a sensualidade natural em “Surabaya Johnny” (Weill) a beleza lírica em “September Song” (Weill), assim como o equilíbrio perfeito entre a musicalidade do canto e a declamação em “Bilbao Song” (Weill) ou “Je suis Snob” (Vian), que se conjuga com um momento de inesperada e extrema sensualidade quando, na interpretação de “Speak Loud”, se parte uma alça do vestido – o erotismo a rebentar pelas costuras a extravasar do vestido, justíssimo – um momento muito “Vian”…
A extensibilidade da voz de Anabela e a facilidade com que se movimenta nos agudos está patente em “Cet Été” (Vian), numa interpretação exigente e fisicamente extenuante em termos de esforço vocal.
Tal como em “Tchaikovski” (Weill) uma composição alucinante, de inspiração cossaca, cujo ritmo atinge um paroxismo quase demoníaco, orgíaco no final – uma das canções mais exigentes de todo o repertório.
Mas a “cereja no bolo” ficou para o final espectáculo: o belíssimo “Youkali Tango” (Weill) onde Anabela Duarte exibe toda a técnica vocal da bela voz de soprano, soberba, desde os pianissíme aos fortíssime, que facilmente dispensa o uso do microfone! Uma interpretação que provocou o inequívoco efeito “pele de galinha”, brilhantemente acompanhada ao piano por Ian Mikittoumov.
O público rendeu-se, definitivamente. Aplaudida de pé, Anabela foi obrigada a regressar mais duas vezes ao palco para os encores. O primeiro, uma sátira de Vian e, para terminar, o inédito e hilariante “La Valse des Chats” do poeta “enfant terrible”, deixando-nos deliciados com linguagem dos miados.
Uma intérprete que prima pela sobriedade do visual. De negro, sem um único enfeite. Sem uma única jóia.
Só o Talento.
E o feitiço da sedução na voz.
Cláudia de Sousa Dias
Etiquetas: Evento: casa das artes
9 Comments:
Soberbo!!!
Estás a ver o que perdeste, hã?
Tens de começar a vir a Famalidog...!
beijo grande!
CSD
Que mistura maravilhosa!
É, não é, Clotilde?!
Um beijo!
CSD
A pele de galinha é um bom indicador...
Os famalidoguenses assistiram a um grande espectáculo, pelos vistos.
Lembro-me vagamente dos Mler Ife Dada e da voz da Anabela (nem sabia o nome...).
Beijinhos.
Pois...foi há já uns aninhos...
Bjo
CSD
muito também eu queria...! :)
mas há-de ser ...
/ ah grande programação!! /
beijO.cláudia*
Mal posso esperar, Undress!
E traz pessoal de Sto. Tirso!
Se puderes, já para o dia 27 co "O Nome da Rosa"! beijo grande!
CSD
Familydog... how very snob! ;)
Não sabia que a bela Anabela tinha estado por cá. Mas concordo que a sua voz é deveras rara e delicada, pelo que vou aproveitar a ver se encontro alguma música dela ou dos Mler If Dada para o meu tema sobre a música lusa, no fórum do Sapal.
Ora assim, com a tua rica escrita, nem faz mal que eu não assista, porque ler-te é boa dita! :)
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