"O Leopardo" de Luchino Visconti e "O Crime do Padre Amaro" de Carlos Carrera
O Cinema e a Literatura unem-se para fomentar debates e troca de ideias no Centro de Estudos Camilianos e na Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão.
A última semana de cada mês, em Famalicão, é dedicada às tertúlias literárias.
E a semana literária do mês de Maio começou com “O Leopardo” de Luchino Visconti, filme de culto protagonizado por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale, que os famalicenses tiveram a oportunidade de (re)ver no Centro de Estudos Camilianos em S. Miguel de Ceide. A obra do realizador baseia-se no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o aristocrata liberal que, nos últimos anos de vida, se debruçou sobre o tema da circulação das elites, tendo como pano de fundo uma época particularmente quente na história italiana: a unificação da Península, sob o comando das tropas do revolucionário Garibaldi – os Camisas Vermelhas.
Lampedusa inspirou-se na visão do, também, aristocrata e sociólogo Vilfredo Paretto e no seu modelo teórico de circulação das elites, no qual os leões – ou, neste caso, os Leopardos, que é o símbolo presente no brasão da família Salina – estão no topo da pirâmide social. Logo abaixo, estão as raposas – ou chacais, ou hienas – que fazem pressão no sentido de romperem as barreiras sociais que os impedem de se emparelharem com a aristocracia, ou simplesmente as famílias mais ilustres e tradicionais, e passarem, eles próprios, a fazerem parte da elite. Um tema que estava na ordem do dia, nos finais do século XIX e inícios do século XX, que coincide com a juventude do Autor.
Maria João Avilez, na apresentação do filme, salientou a obra cinematográfica como o esforço de conjunto de três príncipes: o autor, Príncipe de Lampedusa que elaborou a trama enquanto repousava, durante os seus dois últimos anos de vida, no Palazzo della Marina; o seu filho adoptivo, que não poupou esforços no sentido de ver publicado o romance; e Luchino Visconti, príncipe de Marone, descendente dos Visconti de Milão. Três aristocratas intelectuais, liberais, que se destacaram por contestarem a ordem estabelecida. Sobretudo Visconti, que alia a sua orientação sexual dissonante de uma maioria heterossexual, à simpatia pelos ideais marxistas, factos lhe granjearam pouca simpatia por parte das facções mais conservadoras. O Cardeal Ruffino chega mesmo a classificar “O Leopardo” como uma das grandes vergonhas sicilianas, colocando a obra em pé de igualdade com… a Máfia!
Maria João Avilez chamou, ainda a atenção para a beleza dos pormenores no filme, o apreço, o preciosismo dos detalhes como “o esvoaçar da cortina durante o rezar do terço no palazzo Salina”, “o pó da estrada impregnado nos fatos ao sair da carruagem para entrar na missa”, “o pormenor de uma jarra” ou ainda “a sucessão de portas que se abrem” para dar a ideia da dimensão do palácio…
Devo, porém acrescentar que, para além do valor histórico e sociológico, o filme é de uma impressionante sensibilidade estética. Todos os planos são autênticos quadros, a lembrar o período do romantismo – sobretudo Winterhalter. Até mesmo a cena na qual Fabrizio Salina vai à sala de banho refazer a sua toilette, durante a noite do baile, e se vê como pano de fundo, uma profusão de vasos sanitários com o conteúdo por despejar, parece tratar-se de uma natureza morta!
Sem falar no refinadíssimo sentido de humor que o realizador tem em comum com o Autor da obra literária na sincronia demonstrada entre o olhar de tédio da Princesa Salina e o oportuno e desdenhoso bocejo do cão de fila, durante um diálogo entre o príncipe e o Padre Pirrone.
Compromissos pessoais impediram a jornalista de trocar impressões com o público no final do filme, mas bastou a sua presença e comentários para despertar a sensibilidade de potenciais cinéfilos.
A última semana de cada mês, em Famalicão, é dedicada às tertúlias literárias.
E a semana literária do mês de Maio começou com “O Leopardo” de Luchino Visconti, filme de culto protagonizado por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale, que os famalicenses tiveram a oportunidade de (re)ver no Centro de Estudos Camilianos em S. Miguel de Ceide. A obra do realizador baseia-se no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o aristocrata liberal que, nos últimos anos de vida, se debruçou sobre o tema da circulação das elites, tendo como pano de fundo uma época particularmente quente na história italiana: a unificação da Península, sob o comando das tropas do revolucionário Garibaldi – os Camisas Vermelhas.
Lampedusa inspirou-se na visão do, também, aristocrata e sociólogo Vilfredo Paretto e no seu modelo teórico de circulação das elites, no qual os leões – ou, neste caso, os Leopardos, que é o símbolo presente no brasão da família Salina – estão no topo da pirâmide social. Logo abaixo, estão as raposas – ou chacais, ou hienas – que fazem pressão no sentido de romperem as barreiras sociais que os impedem de se emparelharem com a aristocracia, ou simplesmente as famílias mais ilustres e tradicionais, e passarem, eles próprios, a fazerem parte da elite. Um tema que estava na ordem do dia, nos finais do século XIX e inícios do século XX, que coincide com a juventude do Autor.
Maria João Avilez, na apresentação do filme, salientou a obra cinematográfica como o esforço de conjunto de três príncipes: o autor, Príncipe de Lampedusa que elaborou a trama enquanto repousava, durante os seus dois últimos anos de vida, no Palazzo della Marina; o seu filho adoptivo, que não poupou esforços no sentido de ver publicado o romance; e Luchino Visconti, príncipe de Marone, descendente dos Visconti de Milão. Três aristocratas intelectuais, liberais, que se destacaram por contestarem a ordem estabelecida. Sobretudo Visconti, que alia a sua orientação sexual dissonante de uma maioria heterossexual, à simpatia pelos ideais marxistas, factos lhe granjearam pouca simpatia por parte das facções mais conservadoras. O Cardeal Ruffino chega mesmo a classificar “O Leopardo” como uma das grandes vergonhas sicilianas, colocando a obra em pé de igualdade com… a Máfia!
Maria João Avilez chamou, ainda a atenção para a beleza dos pormenores no filme, o apreço, o preciosismo dos detalhes como “o esvoaçar da cortina durante o rezar do terço no palazzo Salina”, “o pó da estrada impregnado nos fatos ao sair da carruagem para entrar na missa”, “o pormenor de uma jarra” ou ainda “a sucessão de portas que se abrem” para dar a ideia da dimensão do palácio…
Devo, porém acrescentar que, para além do valor histórico e sociológico, o filme é de uma impressionante sensibilidade estética. Todos os planos são autênticos quadros, a lembrar o período do romantismo – sobretudo Winterhalter. Até mesmo a cena na qual Fabrizio Salina vai à sala de banho refazer a sua toilette, durante a noite do baile, e se vê como pano de fundo, uma profusão de vasos sanitários com o conteúdo por despejar, parece tratar-se de uma natureza morta!
Sem falar no refinadíssimo sentido de humor que o realizador tem em comum com o Autor da obra literária na sincronia demonstrada entre o olhar de tédio da Princesa Salina e o oportuno e desdenhoso bocejo do cão de fila, durante um diálogo entre o príncipe e o Padre Pirrone.
Compromissos pessoais impediram a jornalista de trocar impressões com o público no final do filme, mas bastou a sua presença e comentários para despertar a sensibilidade de potenciais cinéfilos.
Já “O Crime do Padre Amaro” de Carlos Carrera, projectado no dia 30 de Maio na Biblioteca Municipal, é uma adaptação livre do romance homónimo de José Maria Eça de Queirós, que insere a trama num contexto actual ao transferir a acção da pacata Leiria de 1875 para uma remota aldeiazinha no México dos nossos dias. Os nomes das personagens são quase todos alterados, tirando o par romântico Amaro e Amélia – papéis brilhantemente interpretados por Gael Garcia Bernal e Ana Claudia Talancón.
O humor sarcástico de Eça de Queirós é religiosamente preservado no filme, cuja primeira cena é composta por uma repelente “tecedeira de anjos” – leia-se: mulher que faz abortos ou se desembaraça de recém-nascidos indesejáveis – apelidada de Dionísia que, ajoelhada diante de um altar, canta um hino, numa horrenda voz de cana rachada. Um quadro hilariante que quebra toda a solenidade do acto. Trata-se de uma vilã cuja presença, ao longo do filme, tem como objectivo o de ridicularizar o peso dos rituais, que nas mentes mais simples, actuam como uma droga e substituem o pensamento crítico.
A pureza e idealismo iniciais de Amaro assim como a inocência de Amélia estão bastante mais enfatizados no filme de Carrera do que no livro do escritor português. A paixão adolescente do jovem casal sobressai em cada olhar, no mais pequeno gesto, dispensando, quase, a necessidade de se tocarem. O cinismo do jovem padre, criado por Eça de Queirós encontra-se, no filme bastante atenuado, sobretudo por um humanismo que não figura em nenhum parágrafo da obra escrita.
O Amaro de Carrera sente remorsos devido à sua pusilanimidade, porque ama, realmente, a jovem, embora não o suficiente para desistir da carreira eclesiástica. Ao contrário do Amaro de Eça que comete, na realidade, um crime – um assassínio – ou, pelo menos, permite que esse crime seja perpetrado, quando estava nas suas mãos impedi-lo, sem demonstrar sombra de verdadeiro arrependimento. Apenas medo de ser punido. A atitude deste Amaro com a jovem repetir-se-à no futuro. O alvo será doravante mulheres casadas, de forma a não acarretar problemas …
Mas se Carrera aligeirou um pouco o carácter do Amaro de Eça, no filme, foi, em contrapartida, impiedoso para com a Igreja enquanto instituição ao mostrar um clero colaborador com o narcotráfico no que respeita ao branqueamento de capitais.
O tema de discussão no final do filme versou sobre a comparação do tratamento do tema em duas épocas e culturas distintas, que têm em comum dois autores, em diferentes áreas, ambos inconformistas e temporalmente separados em mais de um século, ancorados em locais onde a mudança de mentalidades se opera ao ritmo da erosão do granito ou do basalto…
Cláudia de Sousa Dias
Etiquetas: Eventos: Um livro e um Filme e Cineliterário
10 Comments:
Há anos que não vejo o "Leopardo" do Visconti! Obrigado por trazeres estas recordações à superfície!
Não tens de quê! Eu é que agradeço a tua visita!
Se puderes lê também o livro no caso de ainda não o teres feito.
Apesar de o filme estar bastante fiel à obra literária, está incompleto. Só com o filme, não sabes o final...
CSD
Famalicão tem excelentes iniciativas, tal como este tipo de tertúlias.
Muito bem.
Bom fim-de-semana, beijinhos.
Tens de passar por cá, quando vieres a Portugal!
;-)
CSD
Ui, ui!... Não ia comentar este tópico, quando vi essa inteiramente descabida referência do clero colaborador com o narcotráfico no que respeita ao branqueamento de capitais.
Bem, só por aí se vê que a adaptação foi mesmo MUITO livre! É difícil desmontar tal acusação absurda e provocatória sem conhecer o filme em causa e, portanto, o contexto em que a Igreja é criticada nesse particular.
Por certo, tal referência abrange algum sector do clero mexicano, mas a definição de narcotráfico é vastíssima, já que afinal cobre tudo aquilo que se designa por "drogas ilegais", um conceito jurídico que tem distintas interpretações em diversos países.
As culturas autóctones do México e regiões vizinhas, como o Texas, desde sempre, e ainda hoje, têm utilizado plantas alucinogénias, sobretudo o "peyote", como elemento ritual nas suas práticas religiosas e também na fitoterapia tradicional, por exemplo, no combate ao alcoolismo.
A importância deste costume arraigado de séculos é tal que o próprio governo mexicano concede um regime de excepção - e muitíssimo bem! - aos grupos índios nativos, permitindo o livro uso do peyote, um pequeno cacto cuja substância activa é a mescalina, um poderoso alcalóide.
Bem, duvido muito que seja este o narcotráfico que o filme associa ao clero mexicano, claro! Seja como for, só esse desvirtuamento ao tema central da obra de Eça já deve fazer "torcer o nariz"...
Aproveitei, contudo, para ler algumas críticas ao filme de Carlos Carrera que as mesmas consideram muitíssimo superior à pobre e descaracterizada versão portuguesa.
Anyway... não ligo patavina ao cinema e agora nem à literatura. O pouco tempo que me resta é ocupado com leituras mais técnicas, por assim dizer, entre as quais aquelas ligadas à religião e busca espiritual, um tema ultra-fascinante e que começa a ter alguma, ainda tímida, tradução no cinema.
"Quem somos nós?", "A Profecia Celestina" ou "O Segredo" são 3 exemplos recentes... mas só os conheço da net e em excertos!
Enfim, se algum deles passar aqui, avisa... ó alta e fera Pitonisa!!! :)
Sem comentários caro leprechaun...
É claro que Carrera se refere ao contexto local...uma pequena povoação em terra mexicana, onde o clero teria muita influência, numa população ignorante e profundamente crédula logo, fácil de dominar.
O clero em questão limita-se a unir o útil ao agradável, o que não desvirtua, em nada, o Eça original, que era um forte contestatário ao domínio da Igreja em esferas que ultrapassavam o poder espiritual ao influenciarem, por exemplo, a orientação do voto ou a nomeação para cargos públicos.
A introdução do elemento do narcotráfico é apenas um sinal dos tempos, o que, no século XIX, não fazia parte da realidade portuguesa...nem da nossa cultura...nem da economia...
Mas parece ser o caso de países como o México ou a Colômbia de hoje...embora nada possa afirmar quanto ao envolvimento da Igreja nessas mesmas actividades.
É apenas o ponto de vista do cineasta que, se calhar, quis dar uma alfinetada numa instituição que poderia fazer algo mais na luta contra o crime organizado e o tráfico de droga em concreto.
Quanto à distinção entre drogas leves ou duras, para mim é irrelevante...
Só uma pergunta leprechaun: se não aprecias literatura e cinema o que é que vens aqui fazer?!
Eu, por mim, não tenho nada a ver com misticismos que me causam tremenda urticária quando se tentam misturar com ciências sociais como a psicologia ou a antropologia, duas ciências sérias.
Acho divertido consultar um horóscopo ou um oráculo mas sou céptica por natureza.
Fica bem.
CSD
E se escrevesses um conto?
Bom fim-de-semana, beijinhos.
PS: já vim para cá... e não volto mais para lá...
(Lol)...!
Hei-de fazê-lo!
Estou é com a cabeça um pouco cheia...
Tens de cá vir para uma sessão de poesia para leres os teus poemas e participar nas sessões do cineliterário!
A próxima é no dia 26 de Setemmbro com "O Capitão Corelli"...
CSD
dilacera-me de paixão e incredulidade cada vez que o vejo... e sempre!!
bela escrita...pra não variar!
beijO cláudia :)
Qual, UnDress?
O Leopardo? Ou O Crime do Padre Amaro?
;-)
Obrigada por passares por cá!
Amanhã já tenho novidades!
Mas contos é sópara a semana que vem!
CSD
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