2011-10-21

"As palavras são apenas memória”









Trazendo à memória um dos debates do Correntes d’Escritas de 25 de Fevereiro de 2011 na Póvoa de Varzim, cujo tema consiste num verso retirado de um poema de Jaime Rocha, vasculho a memória na ponta de esferográfica e nos meus cadernos já de folhas reviradas nos cantos as palavras de cinco escritores:




Mário Zambujal (num momento de inspiração Heideggeriana)


A memória está relacionada com o tempo e a sua passagem. Ou seja: quanto mais tempo vivido mais memórias temos para traduzir sentimentos e emoções retidos na Memória. Chega uma altura em que o nosso tempo “para trás” é maior do que o nosso tempo “para a frente” (…) e as tertúlias são um despoletar de memórias. Como se vê pelo uso do “Tu lembras-te de…” Hoje em dia, nos media, assiste-se de certa forma a uma espécie de retorno ao passado, onde a palavra “novo” está omnipresente: na publicidade, no jornalismo, na literatura, impedindo, contudo, um corte com o que está para trás, isto é, com a história, com a memória.



No que toca à escrita, o passado teria de ter mais futuro...


Ignacio Martínez de Pisón (reparando, com alegria, na presença de mais um escritor aragonês na mesa)


Não é habitual que os escritores de Zaragoza se reúnam em mesa redonda fora de Zaragoza...


… gosto de romancistas que falem das coisas que lhes são próximas. Por exemplo, a minha cidade, Zaragoza, pode ser, uma espécie de palimpsesto. E escrever é uma forma de criar recordações, de lembrar, explorando ao máximo as memórias.


Tenho por norma falar do passado franquista em Zaragoza nos meus romances, referindo aspectos curiosos como “A torre dos italianos”. Trata-se de um memorial erigido aos apoiantes italianos de Franco, que morreram na guerra civil espanhola. O livro baseia-se nos relatos do meu avô, trata-se de uma sátira que recorre à memória para mostrar como todas estas disputas são ridículas...!


Nuno Júdice (Trazendo à memória Ezra Pound)


Durante uma viagem a Veneza interrogava-me sobre “o que é a poesia” e cheguei à conclusão que está é constituída por uma série de “punti luminosi”, que são as palavras que tecem o padrão das memórias.


Para Jean paul Sartre, num texto intitulado Baudelaire, os poemas seriam “ uma espécie de relâmpagos que interrompem a noite – un éclair fuit la nuit.” E ao ler Chateaubriand, dei-me conta que as palavras são “sinos” ou detonadores de memórias: memórias que se cruzam com o que lemos e que fazem com que sintamos de outra forma o que lemos.


João Paulo Borges Coelho (de visita a Portugal para o Correntes, vindo expressamente de Moçambique)


As palavras são nomeadas para nomear coisas que estão ausentes. São uma ponte para o mundo e o instrumento da Memória. Caso contrário, ficaríamos prisioneiros do Tempo (cá temos Heidegger, novamente). Nabokov diz que a Literatura não começa quando um jovem chega à aldeia e grita. “vem aí o Lobo!” e não há lobo nenhum. A fractura está entre o acontecimento e o relato. Não no equívoco, mas nas palavras como instrumento para designar o real. O poeta considera as palavras como coisas e não como a sua representação, distanciando-se assim do senso comum. O poema está àquem das palavras como mero fonema ou grafismo. Para o homem comum, as palavras são domésticas, ferramentas. Mas para o poeta, elas são selvagens, o poeta é dominado pelas palavras.


As palavras de hoje surgem anímicas. Vivemos um mundo assente na amnésia. Daí a literatura ser atraída pela ideia de infortúnio, de “necrofilia”. Este acordo ortográfico, por exemplo, visa eliminar o passado das palavras, as suas cicatrizes, o caminho pelo qual a língua percorreu. E agora pergunto: em nome de quê? Quem manda nas palavras?”


César Ibañez de Paris (desabafo face à necessidade de utilizar as palavras, recorrendo, para tal, à memória)


As palavras são um instrumento de trabalho, um material sensível, onde há também a evocação de um sonho do passado, através de um sonho dialogado entre o poeta e a morte.





Rui Zink (Com a habitual ironia fina, que já tão bem conhecemos...)


Tento ser homem de palavra e de memória. As palavras viajam mas vivem também do esquecimento...o trabalho do escritor é compreender a História e levar a palavra a sério, colocanado questões. Depois há a necessidade de distinguir as "boas perguntas" - aquelas que trazem pensamento, debate e as más perguntas que levam ao aprisionamento - são as chamadas perguntas fechadas...


(O Autor cita uma entrevista que lhe foi feita pelo diário económico, a cujos clichés decide responder com nonsense, utilizando apenas monossílabos complatamente descontextualizados, sendo por isso censurada. Termina com o apelo à "luta contra o quotidiano vil, marcado pela ditadura económica dos nossos dias").



Fotos: Cortesia da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.


(vejam lá se conseguem descobris a Autora deste post no meio da plateia...)



Cláudia de Sousa Dias

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3 Comments:

Blogger M. said...

A bela Cláudia ali bem acompanhada e a acompanhar bem!
De facto, mais tempo levará, em princípio, a mais memórias, embora não necessariamente a memórias mais intensas.
Beijinhos e tem um memoravelmente bom domingo!
Madalena

23/10/11 11:52 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Então, da esquerda para a direita, Onésimo Teotónio de Almeida, Vergílio Alberto Vieira, o acessor do GAP (do qual não me lembro o nome), CSD e Ana Luísa Amaral...!


:-)

23/10/11 7:48 da tarde  
Blogger M. said...

Vês como sou muito espertinha e acertei? ;)

23/10/11 7:50 da tarde  

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