2011-03-25

"As Correntes" na Póvoa - Odisseia 2011 - Parte II








Fotos: Cortesia Portal Câmara Municipal da Póvoa de Varzim

A terceira mesa do evento Correntes d’Escritas contou com Rui Zink como moderador partindo de um verso de um poema de José Tolentino Mendonça:

A minha arte é uma espécie de pacto.

O escritor de língua castelhana David Toscana foi o primeiro a intervir pedindo desculpa aos participantes por não poder exprimir-se no idioma Luso, esclarecendo, em seguida que, para ele, “escrever é uma espécie de pacto com a Arte”, insinuando que se trata de algo um pouco perverso:

Com deus não se pode negociar, só com o Diabo é que se pode negociar; há pactos que se podem desfazer mas com o Demónio, não, é impossível voltar atrás, como é o caso de “Fausto” de Göethe.

Tudo isto para mostrar que as palavras têm poder: poder de seduzir, de hipnotizar, de embelezar.

David Toscana é o género de escritor que, se pudesse escrever um romance que provocasse a morte em alguém – como o caso de Werther, que no auge do período romântico, inspirou uma série de suicídios – não hesitaria em fazê-lo e, inclusive, que:

Existe algo de demoníaco nesta busca literária. No romance, não há bondade, há tragédia. Em todos os romances aparece a Morte. O que, no ser humano, é saudável é patético no romance. Nós, no quotidiano, não queremos a morte, a violência, a doença, mas escrevemos sobre isso. E ainda que nos agrade a democracia, a liberdade, alimentamo-nos das ditaduras, da repressão.

Juva Batella escolheu um poema de José Régio para explorar o tema sugerido para a mesa e proceder, no seguimento do que foi dito por David Toscana, a uma breve exploração sobre os diversos tipos de pacto entre o Autor e a escrita - ou escritas – que povoam a Póvoa. Desvia-se do anterior interveniente ao mostrar que a sua arte não é um pacto, mas antes uma espécie, de conflito de ordem psicanalítica que lhe atormenta a alma, isto é, um confronto entre o Grande Juva (o seu ego e ou o Id, o impulso inconsciente) e o Pequeno Juva, ou seja, a sua consciência crítica (ou superego), e ainda que a escrita resulta do compromisso entre ambos.

Fora disso, não acredito em pactos.Termina, de forma categórica.

Luís Represas opta por introduzir uma abordagem mais ligeira, ao afirmar:

Escrevo como o ginecologista que trabalha onde os outros se divertem… (gargalhada geral).

Entretanto soa um telemóvel na plateia:

Se for para mim, não estou, Luís Represas brinca, mas a indirecta funciona. O telemóvel é desligado e várias pessoas verificam se os respectivos aparelhos estão em modo silencioso.

O poeta e músico continua a exploração do tema:

O diabo não é livre, porque é prisioneiro da própria malevolência (…), mas a minha obra é livre. É um ser vivo que se senta ao meu lado e me faz escrever qualquer coisa. Mas se é completamente livre, não podemos confiar nela. Porque, a certa altura, prega-nos uma armadilha e leva-nos para outro campo completamente diferente.

Manuel Jorge Marmelo decide, também, optar pela via humorística neste desfile de provocações que foram as intervenções deste painel, ao brincar com o público, fazendo por convencê-lo de que o escritor é uma figura “completamente louca” dado que ele próprio já se ofereceu ao Diabo para ter sucesso e “ gajas”. Ao que o Moderador, Rui Zink, responde com um cartaz a fazer lembrar os sketches do Hermanias!, com um inquestionável Cala-te, porra!

Mário Lúcio Sousa natural da povoação do Tarrafal em Cabo Verde, decide assumir o papel de Embaixador cultural de cabo Verde nas Correntes d’Escritas, afastando-se um pouco do estilo das intervenções anteriores ao criar um jogo de palavras, aproveitando ao máximo a polissemia da linguagem literária:

A minha arte é uma espécie de pacto; a minha parte é uma espécie de acto, de onde a troca de uma letra revoluciona por completo o significado da frase. O autor referencia seu último trabalho, O novíssimo testamento no qual Jesus Cristo ressuscita no corpo de uma mulher, trazendo a público uma visão pouco ortodoxa do cristianismo.

Sendo adepto do multiculturalismo, o Autor mostra não entender muito bem “o que se faz na Europa” em questão da uniformização da linguagem, ou da imposição de uma forma de escrever e aniquilação das restantes.

A última intervenção deste painel coube a Ricardo Romero, vindo da Argentina, rendido à gastronomia portuguesa, em geral, e poveira, em particular:

Que bem que se come em Portugal! exclamava com um suspiro de satisfação típico de quem acabou de saborear o café digestivo após o almoço. Ricardo Romero introduz o tema do painel, relacionando-o com os factos que se lhe vão atravessando na mente, durante o processo de escrita. E o pacto com o facto estabelece-se sem se dar por ele.

E o Diabo – que não existe – sabe-o muito bem.

Ao que o Moderador Rui Zink remata para concluir e fechar o ciclo de intervenções:

Se vamos entregar a alma, pelo menos que seja por algo que valha a pena

O público subscreve.


E assim terminou o meu primeiro dia nas “Correntes d’escritas” do ano de 2011, com a minha participação ainda a meio gás, mas já com alguns livros comprados...


Cláudia de Sousa Dias

1 Comments:

Blogger M. said...

Que debate interessante, muito sumarento!
Concordo absolutamente com a conclusão de Rui Zink ;)
Bjsss,
Madalena

27/3/11 8:12 da tarde  

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