2008-05-10

Comemoração dos 10 anos da “Onda Poética na Academia de Música de Espinho no dia 3 de Maio – Crónica de um concerto em Sintonia Maior








A Onda poética nasceu na extinta Livramar, na Rua 62 – Espinho, em Março de 1998, tendo passado, anos mais tarde, para as instalações da Gulbenkian na Rua 21 e, pouco depois, para o Bar Dominó do casino de Espinho, onde efectua as suas sessões de poesia nas segundas segundas-feiras de cada mês.

Chagámos atrasadas. Eu e a Irene. Perdemos-mos na geométrica cidade de Espinho, onde deambulámos uns bons trinta minutos, como se estivéssemos no antigo labirinto da antiga Creta.

E perdemos a abertura do espectáculo e a magia da Water Music de Jorge de Sena, na voz de Carlos Jorge com a música homónima de Haendel a servir-lhe de cenário. Perdemos, também, a Chuva Oblíqua de Fernando pessoa pela voz de Luís carvalho, sublinhada pelas notas de Mendelsonh. A “chuva” continuou com o Chove de José Gomes Ferreira, interpretada por Céu Reis, cujas palavras iam caindo através da Bruma de Cláudio Carneyro.

Enquanto isso, Irene e eu andávamos às voltas, à procura da Academia de Música que ninguém, na cidade, parecia saber ao certo onde ficava…

Chegámos, finalmente, à recepção onde levantámos os bilhetes que o Luís nos tinha reservado quando, através da porta, nos chegam aos ouvidos as sedutoras notas da Syrinx de Debussy, pela flauta de Joana Oliveira…

Entrámos. Envolvidas pelo sortilégio das notas do “meu” compositor favorito. Como quem entra numa densa e misteriosa floresta, à espera de encontrar druidas, dríades, náiades…como as crianças na história do flautista de Hammelin…

Debussy continua a servir de pano de fundo à expressiva voz de Anthero Monteiro com La Cathedrale Engloutie de Jorge de Sena que ilustra a música com o mesmo nome do compositor francês da belle époque.

As palavras de Levi Condinho, Camilo Pessanha, António Gedeão, David Mourão Ferreira executam o seu ballet ao som de Elgar, Schumann, Bach, Brindle, Leo Brower e António Lauro, animadas pelo virtuosismo de vozes como as de Gilberto, Luís, Céu, Diana e Carlos Jorge.

Mas ninguém iguala a mestria de Anthero Monteiro cujo O dia-a-dia de um músico – de autotria do próprio Satie, extraído da sua obra Mémoires d'un Amnésique, traduzido por Anthero Monteiro – nos mostra um delicioso jogo de ironias acerca da rotina de um perfeccionista como Eric Satie. A crítica, implícita, ao romantismo ascético, onde tudo é perfeito e perfeitamente cronometrado, tal como na vida monástica. Mas só o preciosismo de um Eric Satie conseguiria criar algo tão divinal como a Gimnopedie

Após mais uma prestação de Céu Reis num poema de Levi Condinho, regressámos novamente a Claude Debussy com o animado Golliwog’s cake-walk por Ricardo Soares.

Segue-se o Concerto de portas fechadas de Tomás de Castro a dar, mais uma vez, oportunidade a Carlos Jorge de exibir o seu talento para as artes cénicas. Rematado, depois, pelo violino de Inês Breda, acompanhada ao piano pela professora Graça Bastardo, numa lindíssima versão da Méditation de Thaïs de Massenet. Uma performance que conseguiu arrancar as lágrimas ao fundo da alma da minha amiga Irene.

A Praça da alegria nº 11 de Tomás de Castro e Sentado numa cadeira de Al Berto foram mais dois (bons) momentos de descontracção a anteceder a frescura e vitalidade dos acordes de guitarra de Tiago Rodrigues com o Tristango en vos de Máximo Pujol.

Já o delicioso Andante from piano concerto in ck467 de Mozart serve de cenário à voz de Céu Reis enquanto declama O Menino Mozart de Carlos Murciano, seguida por Anthero Monteiro que opta por encantar a plateia com a alegre candura de um Mozart no céu de Manuel Bandeira.

A versatilidade da expressão facial e modulação da voz é-nos dada, mais uma vez, por Carlos Jorge com a Onomatopeia de José Régio para, logo depois, Luís Carvalho dar corpo à sedução de mais um poema de Levi Condinho – Mulher e Música -, com a envolvência do adaggio da 6ª sinfonia de Beethoven. A sensibilidade é trazida ao palco por Gilberto Pereira com o poema Meu Cão de Affonso Romano de Sant’Ana. Mas verdadeiramente sublime é a interpretação de Diana Devezas, a introduzir um momento de dramatismo e uma aura de tragédia digna de ser representada no Epidauro, com o Canto da Prisioneira grávida de Sidónio Muralha, acompanhado ao piano pelo Professor Francisco Seabra com a Sonata ao Luar de Beethoven – um dos momentos mais belos da noite.
Segue-se uma Cena de um filme…talvez para Truffaut de Levi Condinho, com Anthero Monteiro.

O espectáculo termina com uma Ode à Alegria da 9ª sinfonia de Beethoven, com letra de Anthero Monteiro acompanhada pelo coro composto por todos os participantes.

Uma noite inesquecível.


Cláudia de Sousa Dias

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