2006-12-09

“O Temporal”


O vento uiva nas janelas.

O céu cinzento, opressivo, desloca-se lentamente com as suas nuvens cor de antraz – densas, pesadíssimas e grávidas de chuva.

Na linha do horizonte, os relâmpagos cortam os céus a uma velocidade que nenhum veículo construído por mãos humanas consegue ainda alcançar. A trovoada vai-se tornando cada vez mais audível. O vento embate com violência nos vidros da janela do quarto. O gato de olhos esmeralda refugia-se no roupeiro, esconderijo onde se sente protegido dos piores elementos, humanos – os ralhetes da dona – ou naturais. Enrolado na pele de raposa que, por motivos ecológicos, já não uso há anos, o animal cor de ébano espreita a tempestade por uma nesga da porta, direccionando o olhar à janela que deixei, propositadamente, com as cortinas afastadas para gozar o espectáculo da intempérie.

Deitada na cama, também eu olho a tempestade da janela. Tal como o gato, enrolo-me ainda mais no edredon, estremecendo, apesar do quarto aquecido pelo termo ventilador.

A vontade de sentir o conforto do corpo do amante de tempos idos, numa noite em que o telhado ameaça voar pelos ares, começa a fazer-se sentir. Fecho os olhos. O quarto começa a ficar com a temperatura amena da do início do mês de Junho.

Abro os olhos novamente.

Na almofada ao lado, um rosto de feições perfeitas, longas pestanas e belíssimos lábios carnudos de framboesa. As coxas entrelaçam-se. O desejo invade-nos as entranhas como lava vulcânica a espalhar-se pelas veias, à velocidade do relâmpago que atravessa agora os céus de chumbo. Por um breve instante, vejo iluminar-se a noite sem lua, da janela do meu quarto…

Fecho os olhos, mais uma vez…

Imagino o beijo de Zeus a destilar descargas eléctricas no meu ventre… no instante em que tomo consciência do volume do seu sexo junto à minhas coxas nuas…

Subitamente, um feixe de lume branco desaba sobre o jardim e ouve-se, de seguida, um som semelhante ao detonar de um míssil, fazendo estremecer perigosamente os vidros da janela…O gato solta uma miado arrepiante.

Levanto-me da cama. O termo ventilador deixou de funcionar. Todas as luzes da cidade estão apagadas. A escuridão, lá fora, é impenetrável. Outro raio revela uma cratera no canteiro onde cresciam as minhas rosas negras do oriente.

Bom, não eram bem negras.

Eram antes de um vermelho-negro como as mais negras ginjas de Maio, de um exótico perfume almiscarado.

Melindrosas e frágeis, demoraram quatro anos a florescer.

Morreram.

Numa fracção de segundos.

E eu um pouco com elas…

Da porta entreaberta do meu guarda-roupa cintilam os cautelosos olhos verdes do gato…


Desert Rose

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5 Comments:

Blogger Nilson Barcelli said...

Gostei imenso deste teu conto.
Mas, onde foi parar o "rosto de feições perfeitas, longas pestanas e belíssimos lábios carnudos de framboesa"...?
Coitado do gato...
Beijos.

12/12/06 5:19 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Desintegrou-se. Foi fulminado junto com as rosas...

:-)

Por vezes durante um sonho, misturam-se os ruídos da realidade dentro ou fora do quarto...

Desert Rose

12/12/06 6:07 da tarde  
Blogger Nilson Barcelli said...

Eu sei como são os sonhos... e o teu espelha magistralmente o aspecto caótico que muitos sonhos têm.
Bom fim-de-semana.
Beijo.

15/12/06 1:01 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

:-)

15/12/06 4:58 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada Sleep!

És sempre a mesma querida!

Desert Rose

11/1/07 6:39 da tarde  

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