2006-10-25

Sonho de um Gato numa Noite de Verão




Hoje sonhei com o casamento da minha Dona.

Luna.

O casamento de sonho para um gato. Que mais parecia uma tela animada de Dali, ou de Bosch, consoante o ponto de vista.
Qualquer semelhança com a boda de Alexandra e Gonçalo, a cujo banquete assisti, do alto de uma laranjeira e onde a presença nocturna de Luna brilhava, como uma nuvem de lilás e prata, é pura coincidência…

A não ser o olhar de um gato voyeur, escondido nas sombras…

No meu sonho, Luna trajava um vestido branco-gelo, de reflexos azulados, a contrastar vivamente com o cabelo negro. Nas orelhas, dois diamantes faiscavam com pingentes de pedra da lua a condizer com a tonalidade do vestido. Na pele que o decote, exibia, cintilavam as partículas vaporizadas pelo perfume, com aroma de citrinos, laranja amarga, tangerina, néroli... (os meus sonhos são sempre perfumados…é pena é não sonhar mais vezes com peixe…).

Do noivo só me vêm à mente imagens confusas. Muito moreno, espessas sobrancelhas negras, olhos árabes, de longas pestanas recurvadas e lábios carnudos.

Das igrejas sempre tive pavor. Por isso, da cerimónia religiosa não tenho quaisquer imagens.
Lembro-me, das minhas outras vidas, das perseguições que me faziam a mim e à minha família, na época medieval, os Domini Canes, afirmando que éramos os animais consagrados à bruxaria, classificando-nos de demoníacos e queimando-nos vivos na fogueira como faziam com os cristãos novos... Desde então, sou incapaz de entrar em tais lugares…

As imagens mais vívidas, para mim, são aquelas que me ficaram da recepção – principalmente da altura em que serviram peixe. Adoro bisbilhotar estas recepções nupciais e todo o tipo de banquetes, lanches ou patuscadas para dar às narinas o prazer de saborear os petiscos – principalmente se puder surripiar uma fatia de salmão fumado ou de queijo mozzarella...

Mas, a meio da refeição, sucedeu algo de insólito: os noivos escaparam-se, sub-repticiamente, antes de cortarem o bolo, deixando os convidados estupefactos.

Como nunca receei os instintos assassinos da Curiosidade, segui-os até à garagem. Foi então que os meus indiscretos, maliciosos e esmeraldinos olhos pousaram nas linhas esguias da bella carrosseria cinza-prata de um qualquer carro italiano, provavelmente propriedade de algum padrinho da máfia local, onde os insaciáveis apaixonados davam largas aos seus apetites libidinosos…

Entretanto, na sala onde decorria o banquete, os convidados aguardavam, impacientes.

Horas depois, os noivos regressam, desgrenhados.

A noiva ostentava uns lábios inchados, uma maquilhagem borratada, um mamilo atrevido a espreitar pelo decote e um sorriso de orelha a orelha.

O noivo, ligeiramente cambaleante, com o nó da gravata desfeito, a camisa desabotoada e a braguilha aberta, passava, atabalhoadamente, a mão pelo cabelo.

Durante um minuto fez-se um silêncio absoluto quebrado apenas pelo zumbido dos mosquitos trombeteiros e pelo canto dos grilos e das cigarras.

A tensão e o embaraço aumentavam a cada segundo.

Então, o pai da noiva engasga-se, quase asfixia com um pedaço de carne de veado e tem de ser socorrido.

A mãe da noiva engole uma tablette inteira de xanax e quase se afoga ao adormecer com a cara mergulhada no prato de creme de espargos.

A mãe do noivo desmaia de vergonha.

O pai do noivo fuma um charuto cubano de um só trago, mudando de cor logo a seguir – de uma palidez colérica para um tom esverdeado, denunciando uma aguda crise de fígado.

Os restantes convidados olham os noivos, entre divertidos e estupefactos.

Entretanto, alguns dos casais mais jovens trocam olhares maliciosos e decidem imitar os anfitriões, indo apanhar ar fresco antes da sobremesa…

Alguns deles aproveitam para espreitar ou experimentar o capot cinza do Ferrari da discórdia.

Começa então a formar-se uma fila interminável à porta da garagem da luxúria...

Um cheirinho a peixe fresco invade-me as narinas...

Abro os olhos.

Um suculento carapau cozido espera-me na tigela do pequeno-almoço, acompanhado de um prato de leite fresco…

Desert Rose

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6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adorei o teu texto está demais cinseramente axei origial. É teu?
aparece no nosso blog
jocas

25/10/06 3:02 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Sim é meu, embora me tenha inspirado num sonho de um amigo a partir do qual criei um texto literário.

Obrigada pelo teu generoso comentário

Desert Rose

25/10/06 6:03 da tarde  
Blogger Nilson Barcelli said...

Gostei imenso deste teu conto de gatos. Conseguiste meter-te muito bem bem dentro da pele de um e contar uma história divertida.
Não sei é como conseguiste caber na pele do gato...
Beijos.

26/10/06 12:27 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Porque é exactamente o animal que eu queria ser!

pela elegância de movimentos, pela discrição, pela independência,pelo olhar penetrante - adoraria ter a capacidade de visão dos gatos! - e pela inteligência.

depois disso, penso que só gostaria de ser águia, ou andorinha, para usufruir da plena liberdade de viajar pelos diferentes continentes sem ter de pagar bilhete de avião.

Beijinho e obrigada pela visita

Desert Rose

26/10/06 4:09 da tarde  
Blogger Nilson Barcelli said...

cláudia,
Então querias ser gata...
Mas... será que não o és já? Se calahar já muitos te chamaram gata... não sei...
Bom fim-de-semana.
Um beijo.

27/10/06 1:59 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

:-D (lol)!

Não, nem pensar!

Mas já me sugeriram que me vestisse de catwoman no Carnaval!

O problema é já há muito que perdi as linhas de Hale Berry para vestir esse género de fatiota!

Desert Rose

27/10/06 2:40 da tarde  

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