"Crónica do desfecho de um conto de fadas..."
A luz de uma tarde dourada de final de Verão envolvia o terreno de terra batida onde o pó se soltava, sedento, debaixo dos passos dos convidados.
O dia estava quente. Ao chegar ao mosteiro, não resisti a espreitar a igreja de estilo gótico, apesar de saber que o casamento de Alexandra seria uma cerimónia laica, realizada no recinto ao lado, isto é, na respectiva quinta. O banquete iria decorrer nos claustros.
Dentro da igreja, um casal estava a celebrar a cerimónia religiosa e trocava votos de amor e fidelidade eternas. A noiva, morena, de cabelos longos, negros e ondulados, trajava um cândido vestido branco, com um delicado véu transparente que lhe descia do alto da cabeça, arrastando-se pelo chão.
O oposto de Alexandra.
A bela sílfide de cabelos dourados e olhos de safira ou turquesa, consoante a luz ou o humor, era o mais doce dos querubins, em bebé. Uma criança adorável: meiga, calma, extremamente observadora e com uma inteligência precoce, que se manifestava na qualidade estética dos trabalhos de artes plásticas e no vocabulário utilizado, pouco comum numa pré-adolescente. Alexandra, foi sempre bela. Desde a altura em que saboreávamos os doces em casa da avó, no Domingo de Páscoa, ou a espessa e cremosa mousse de chocolate, em casa da tia Nana. Uma beleza que chamava a atenção dos transeuntes, quando passava na rua, acompanhando-me no ao périplo pelas livrarias da cidade do Porto, em busca de espécimes raros. Ficavam como que hipnotizados…
E Alexandra foi sempre uma apaixonada pela Beleza. As suas mãos, de dedos finos, com os polegares ligeiramente curvados para fora, pareciam ter sido desenhadas para trabalhar com o lápis e a borracha, efectuar esboços, como Leonardo. Tirou a nota máxima na prova de desenho - o pré-requisito exigido pela Faculdade de Belas Artes em Lisboa. Nem poderia ser de outra forma.
E, naquele sábado, Alexandra casava-se. Os convidados foram chegando, pouco a pouco.
Belos.
Todos eles.
Em homenagem à noiva, cuja chegada aguardavam, na maior das expectativas.
O noivo, alto e esguio, cumprimentava jovialmente os familiares e amigos mais íntimos de ambos. A felicidade faiscava-lhe no olhar claro. E no sorriso fácil e tímido.
Trajava de cinzento, com um jarro amarelo na lapela.
Foi, então, anunciado o momento de os convidados se dirigirem para o local onde iria ser realizada a cerimónia.
Atravessámos um magnífico jardim arborizado, cujo tecto verde, semelhante ao de uma floresta no tempo dos druidas, filtrava o sol, refrescando agradavelmente a pele, deixando-nos envoltos na penumbra.
Por alguns momentos, os convidados pareciam mover-se como sombras. Saímos para o lado oposto, encarando a luz do dia. Pisávamos um caminho de terra ligeiramente solta, ladeado por vinhas em forma de ramada, como é típico no Minho, de onde pendiam cachos de uvas de um verde-dourado. Ao fundo, esperavam-nos as cadeiras, alinhadas diante da mesa onde se sentaria a juiz.
Os melros e os pintassilgos cantavam furiosamente. Piscos e rabirruivos procuravam insectos por entre as ervas.
Subitamente, alguns dos convidados que ficaram de pé, abriram alas.
A voz grave, profunda e ligeiramente rouca do vocalista do dos Tindersticks fez-se ouvir, acentuando a atmosfera romântica do local.
A noiva entrou, triunfante e bela, como uma deusa de mármore carnal, esculpida pelas mãos de um Praxíteles, inspiradas na beleza perfeita de Aphrodite. A fronte arcadiana, decorada com as cores de Boticelli, deslumbrou a assistência pela aura de magia das princesas dos contos de fadas.
Alexandra estava bela como o dia, quando saiu da penumbra do arvoredo, como uma dríade, numa ampla saia em seda selvagem e com o esbelto corpo moldado pelo finíssimo drapeado do corpete em musselina cor de champagne – uma suave declinação do tom de mel dos seus cabelos, apanhados num penteado clássico.
Ao sair da obscuridade do arvoredo, envolta numa nuvem de musselina e seda cujo tonalidade lhe realçava a pele, ligeiramente dourada, e os cabelos de uma faiscante luz solar, Alexandra dispensava o uso de jóias. Apenas umas pequeninas pérolas marinhas descansavam nas orelhas minúsculas e perfeitas. Marinhas como a tonalidade aquática dos mares do sul nos seus olhos que, naquela tarde, reflectiam o céu de estio.
Alexandra excedeu as expectativas dos convidados, arrancando-lhes um aplauso de admiração.
O pai da noiva deu alguns passos incertos, nervoso.
O halo de luz do entardecer envolvia os noivos enquanto trocavam as alianças, entregues pelo pequeno e loiríssimo Francisco, de andar ainda cambaleante, que exigiu, inflexivelmente, que lhe fosse devolvida a caixinha das alianças.
A alegria irradiava do rosto de Alexandra, que se confundia com a poalha de ouro da chuva solar que descia sobre os convidados. Mas nos olhos de Gonçalo, brilhava a água salgada da emoção.
O jantar, servido nos claustros do mosteiro, foi iluminado pela luz bruxuleante das velas, acentuando a atmosfera medieval do lugar, ao som de uma música suave.
Eu fiquei na mesa que homenageava Ellis Regina com o poema Romaria. Mas na festa também estiveram presentes Jacques Brel, Eric Satie, Vinicius de Moraes, Jim Morrison, David Bowie…
Bom, estiveram presentes…
…sob a forma de poema, claro!
A festa terminou com um divertidíssimo convívio, para o qual muito contribuiu a boa disposição do noivo e dos seus amigos que tomaram a seu cargo a agradável tarefa de animar a festa e contagiar a todos com a sua alegria.
A lua brilhava, gloriosa.
Rainha absoluta no firmamento azul-nocturno.
Uns olhos verdes fitavam-me do alto de uma árvore.
Cintilantes.
Incandescentes.
O pêlo da criatura negra como uma noite sem lua faz-me pensar no cabelo do homem que amo.
Mas, tal e qual uma Cinderela de sapatos de prata, tive de sair um pouco antes da hora, apesar de não ter deixado nenhum pelo caminho.
Mas vontade não me faltava. Os pés não perdoam a afronta dos saltos agulha.
Um brinde aos noivos.
Em cristalinas flutes, obviamente.
Nunca em sapatos de saltos de doze centímetros.
Nem pensar…!
Pois…
Será...?
E…porque não…?!
(eheheh…!)
Desert Rose
Etiquetas: Luna e o gato
4 Comments:
o conto de fadas deveria começar , ou será que tenho uma visão poética??
Aproveita e escreve mais sobre o noivo!
Sim, Arabie, na verdade, só agora começou.
O noivo não conhelço tão bem mas perece-me ser uma pessoa muito doce,creio que a minha querida Alexandra vai ser muito feliz!
CSD
Cláudia, ler-te demora sempre mais tempo que na esmagadora maioria dos blogs.
Até já te puxei as orelhas por causa disso... Mas tratava-se de um género completamente diferente.
Neste caso, apesar da demora, ela é bem compensada pela excelente prosa que se lê. Escreves como uma escritora feita, e muito bem.
Mas o ambiente minhoto facilitou-te a vida...
Beijinhos e bfs.
Bonito esse texto...esse conto é maravilhoso...
Vim agradecer tua visita la pelo meu recanto e dizer te ke possivelmente poderia ter substituido (sem duvida alguma) omeu defeito mas... "eu nao me fecho quando me magoam daí..." J ao fiz...agora ja nao!
Deixo beijo suave________Maresi@
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