2006-08-11

O treino das janelas de oiro - um conto Zen


Um conto que mergulha nas profundezas do nosso ser e que apela a que saibamos estar disponíveis para receber lições de nós próprios:

"Quando Koshi Takisawa tinha três anos, agarrou pela primeira vez o seu avô pela manga e indicou com o dedinho a outra parte do vale, gritando de felicidade: “Ali!”
Ao fazê-lo, a sua voz límpida tremeu comicamente e o avô riu-se. Depois, o velho continuou a saborear lentamente o seu cachimbo e acenou com a cabeça:
“Sim, sim, olha, um momento!
Koshi nascera numa pequena aldeia de montanha camada Fan Tan Si. Os seus pais eram camponeses, e por isso tinham de se levantar cedo todas as manhãs. O dia acompanhava o percurso do Sol. E exactamente como as cabras, os bois e as galinhas, Koshi ia para a cama ao pôr-do-sol.
Uma vez, quando Koshi tinha seis anos, pouco antes de escurecer, perguntou ao pai:”Papá, porque é que aquelas janelas são de ouro?”, indicando com a mão o outro lado do vale, onde havia casas. No entanto, o pai limitou-se a responder: “Ainda não o entendi”.
O vale estendia-se de norte a sul, e no seu fundo durante milénios, um rio impetuoso escavara um leito profundo. Muitas vezes Koshi brincara na sua margem com as barquinhas de bambu, mas todas as crianças conheciam o grande perigo existente na travessia do rio. Viviam na parte ocidental já há gerações, e apenas os homens com as suas grades barcas podiam navegar no rio profundo.
Aos nove anos, Koshi perguntou à mãe porque é que as janelas do outro lado eram de ouro, e as da sua aldeia, pelo contrário, não. A mãe nem sequer o olhou, dizendo “ Mas Koshi, sempre as mesmas perguntas…”
Entretanto, koshi aprendera muitas coisas e atingira os doze anos. Sabia distinguir ervas e plantas, sabia fazer a fogaça de arroz, e era capaz de ajudar um vitelinho a vir ao mundo. Mas uma coisa Koshi ainda não conseguira entender: Porque é que as casas do outro lado do vale tinham janelas de ouro e as da sua aldeia, pelo contrário, não?
Aos quinze anos, Koshi já não fazia tantas perguntas como antes. E a quem teria podido fazê-las? Tinha a impressão de que existiam diferentes qualidades de perguntas. Havia perguntas que ninguém sabia dar respostas…e havia perguntas que ninguém fizera ainda…e evidentemente, havia perguntas que não se podiam fazer.
E, precisamente, a pergunta sobre janelas de ouro do outro lado do vale era uma pergunta que reunia em si as três qualidades.
Aos 17 anos, era considerado uma pessoa de poucas falas, e precisamente no dia do seu aniversário, perguntou ao pai mais uma vez: “ Mas diz-me, já estiveste do outro lado, onde existem as janelas de ouro?
O pai olhou-o e respondeu: “ Koshi, somos gente simples, mas temos do que viver e não invejamos ninguém. De que nos servem as janelas de ouro? Pára de sonhar com ouro e riqueza, e conseguirás viver bem aqui.”
Nessa noite, Koshi Takisawa desceu o vale, apanhou uma das barcas maiores e atravessou o rio. As ondas, os escolhos e a escuridão exigiram toda a sua força, coragem e a sua destreza. Levou muito tempo e foi empurrado para lá do sítio onde pretendia chegar. Deste modo, só alcançou a outra margem já passava muito da meia-noite. Iniciou então a subida e, atravessando caminhos inacessíveis e terrenos selvagens, subiu directamente ao cimo, às casas com janelas de ouro.
O Sol começava a elevar-se lentamente, e Koshi estava morto de cansaço, do esforço. Continuou à mesma o seu caminho, jurara a si próprio só parar depois de alcançar as casas com janelas de ouro.
“Não invejamos…haviam-lhe dito. Mas não era isso que o movia. Tinha uma grande pergunta, tratava-se de encontrar a resposta.
O Sol nascera já há muito tempo e Koshi chegou à aldeia das janelas de ouro. Mas que desilusão! Não eram janelas de ouro! Teria talvez seguido a estrada errada?
Koshi sentou-se, completamente esgotado, num banco diante de uma casa, mesmo em frente a uma das janelas gastas pelo tempo e nada dourada, e olhou para o rio. Ali, do outro lado estava Fan Tan Si. Conseguia avistar a casa da sua família e…e…a casa da sua família tinha janelas de ouro! E todas as outras casas também!"

in O Zen e a Arte de Gerir

3 Comments:

Blogger Maria Heli said...

Belo texto... :)

aliás, por aqui, belos textos são de esperar!

isso mesmo. ousadia e emoção.

vou adorar visitar-te, aqui, neste teu canto. mas não dispenso o outro, o real ;)

bj e parabéns, linda.

12/8/06 3:48 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Lindíssima parábola à miragem do deserto das ambições.

Uma alegiria sobre o ser e o parecer.

Beijinhos

16/8/06 12:01 da tarde  
Blogger ~pi said...

adorei saber que todos temos janelas de ouro!
nunca é demais (re)lembrar!

19/8/06 4:45 da tarde  

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