2006-08-25

“Luna”



“Luna”

Foi aos 30 anos, o meu primeiro beijo. Numa tarde de Domingo de um Verão moribundo. E, na mesa do canto da minha pastelaria favorita, onde servem uns deliciosos croissants com molho de chocolate.
Dantes, eu tinha o hábito de lá ir em busca desses croissants quentinhos, que a simpática senhora de olhos verdes e sorriso rasgado abria para,em seguida, os regar com a deliciosa calda de chocolate liquefeito. Que eu me deliciava a saborear, enquanto descia o Chiado para devorar com os olhos as montras das livrarias. Por vezes, distraída, nem reparava que a calda do chocolate me escorria, subrepticiamente, para a manga do casaco. Uma vez, só me dei conta do facto quando um transeunte, impecavelmente vestido no seu facto de executivo e agasalhado com uma requintada Burberrys, me chamou a atenção, apontando para a manga com um sorriso divertido…
Claro que corei até à raiz dos cabelos, apesar de rir de mim própria, enquanto despia o casaco e descia o Chiado em direcção ao Rossio e apesar, também, do frio de Outubro...

Mas naquele dia, foram uns lábios carnudos, vermelhos e suculentos que me tiraram o apetite e me provocaram um estranho e inexplicável sorriso de orelha a orelha intrigando todos aqueles que me eram próximos.

- De onde lhe vem aquela misteriosa felicidade? – perguntavam-se.


Luna, a minha dona era então uma jovem de trinta anos que arvorava constantemente um ar melancólico, expressão taciturna.

O olhar, duas estrelas negras, insondáveis, coroadas por sobrancelhas de carvão, em contraste absoluto com uma pele claríssima, quase transparente, mas que se harmonizavam perfeitamente com os cabelos castanhos escuros.

O seu meio sorriso dava-lhe a expressão idiomática de uma Gioconda.
Uma beleza sombria.

Além disso, era uma intelectual, mas de uma personalidade algo cismática e introvertida…
Luna gostava da auto-análise, da introspecção. Queria conhecer-se em profundidade, sondar os mais obscuros recantos da sua mente, para melhor poder controlar as suas próprias reacções. Porque o auto-domínio é a chave do Poder.

Luna adorava mostrar-se aos outros como um ser racional, ostentar a sua cultura como o pavão gosta de ostentar a cauda para seduzir a companheira, Luna gostava impressionar pelo saber e pelo amor profundo ao Conhecimento.

Era uma devota fidelíssima da deusa Razão. E, por isso, evitava tudo o que extravasasse os seus limites. Receava até a dependência emocional de alguém.

Mas ela sabia que, lá no fundo de si mesma, havia algo escondido, no mais profundo abismo da sua mente, que era imprevisível, indomável. E que teimava em assomar à superfície nos momentos mais inconvenientes.

Quando o auto-domínio, a presença de espírito era mais necessária.

Bastava que alguém soubesse accionar a mola que despoletava o ataque de riso incontrolável – no momento exacto em que a situação requeria que se munisse de toda a fleuma possível e imaginária, do seu sentido crítico, do seu sentido de equilíbrio – a sua blindagem face ao ridículo e ao burlesco.

Ou então que alguém escarnecesse em público de uma falha cometida. As críticas destrutivas conseguiam sempre o seu objectivo: aniquilar, reduzir a pó a sua auto-estima. Nesses momentos, a vontade de sucumbir ao choro só era controlável porque Luna possuía uma vontade de ferro e um orgulho faraónico.

A ira, só assomava à superfície quando ela se sentia defraudada ou então quando era verbal e maldosamente ofendida.

Então as pupilas dilatavam-se-lhe ao mesmo tempo que se lhe alterava o tom de pele primeiro, para uma palidez de morte, para em seguida adquirir um tom vermelho- púrpura enquanto que os dois sóis negros dardejavam raios fulminantes.

Luna, nessas alturas, não conseguia articular uma única palavra. Mas o seu agressor ia, gradualmente, recuando e os seus insultos ou agressões iam também, pouco a pouco, baixando de volume até este desviar os olhos e bater em retirada.

Ninguém consegue olhar fixamente as Fúrias nos olhos de Luna durante muito tempo.

Mas um belo dia, quando trabalhava num projecto de investigação sociológica, os seus olhos de noite encontraram um olhar de âmbar. Uma cor que se repetia nuns cabelos castanhos-claros, ligeiramente compridos, e numa barba aloirada de textura surpreendentemente macia.

Tinha um ar helénico, um perfil que fazia lembrar um filósofo da antiguidade.

Mas o que captou a atenção de Luna foi a forma displicente como o jovem cruzava as suas longas pernas, ao mesmo tempo que degustava um cigarro, num trejeito levemente dândi.

Tinha um sorriso felino.

Um gato que gosta de brincar cruelmente com a sua presa antes de a devorar.

Um sorriso hipnótico.

Ela sentiu-se aprisionada como o insecto negro no âmbar dos seus olhos leoninos.

Quanto mais queria libertar-se mais presa se sentia, envolvida na teia de sedução que o Belo lhe lançava…

Todos os sinais de alarme dispararam…

Ela ignorou-os.

Pura e simplesmente…




Cláudia de Sousa Dias

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6 Comments:

Blogger arabie said...

O lado emocional da Luna é bem mais forte, finge ignorar os sinais de alarme pois ela sabe que o que tem para dar nem toda as pessoas estão preparadas para receber.Digo eu...

25/8/06 3:13 da tarde  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pois...

CSD

25/8/06 5:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boa, Claudia. Força. Está no bom caminho. Gostei. Liberte-se. Desarrume-se. A criação é livre. tal como o amor. LA

2/9/06 5:47 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Obrigada LA! Há mais dois textos no prelo...

Um abraço

CSD

2/9/06 12:17 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boas CLAUDINHA!

Lindo e Sensual..o texto.ESTONTEANTE/SENSÍVEL QUEM O ESCREVEU.
Em quem te BASEASTE?!NO ACTUAL,ou antigo/decrépito AMOR da tua vida?!

KEEP UP THE GOOD WORK!!ADOREI!!

BJOS FELINOS E TROPICAIS.

19/9/06 2:20 da manhã  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

O actual está óptimo, obrigada!

este é mais para o antigo...

Beijos gatófilos

CSD

19/9/06 11:02 da manhã  

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