2013-12-10

NADA É EFÉMERO, TUDO É EFÉMERO.

Foto: Autor desconhecido

Voz de Joaquim Pessoa, incarnada num dos mais belos seres do planeta:o Leopardo das Neves. Imaginem que este ser adquiriu as faculdades de LaFontaine e começa a declamar. Oiçam, então.



NADA É EFÉMERO, TUDO É EFÉMERO.




Nada é efémero, tudo é efémero, o que é
é, e o que foi voltará a ser. O coração dos castanheiros
apodrece com a luz, o vento é um feliz acrobata,
de folha em folha, a primavera faz amor com os troncos
e o resultado são os filhos aprisionados
em embirrantes invólucros.
A chuva faz o resto, como boa ama. Engorda-os
para os sacrifícios do outono. Acreditas que Lavoisier
gostava de castanhas? Ou preferes acreditar que a vida
é o resultado de um rosário de solidões em aprendizagem
para a morte, uma obstinada esperança sempre
indecisa no portão de entrada?

Quando fechas os olhos tudo é irresistível,
as mãos do padeiro amassam expectativa,
os olhos do pescador pescam expectativa,
o corpo da bailarina concede expectativa. Mas,
vê lá!, não te surpreenda a expectativa quando
fixares as mãos do padeiro, os olhos do pescador,
o corpo da bailarina.

Não há nada de irreal numa esmeralda ou num helicóptero,
há, sim, nesse cavalo azul que alimentas com a raiz do pólen,
o alazão sobre o qual atravessas cordilheiras
a caminho de casa, a caminho do futuro, a caminho de ti.

A realidade é um poço de surpresas
mas também se aborrece a si própria. Tantos milénios
a esculpir a vida e há ainda nela uma beleza irredutível
como a de um filósofo sentado sobre a neve.
Ah, pois!, cá dentro inquietação, inquietação,
é só inquietação, inquietação, sempre à procura
da tal coisa, porque essa coisa
é que é linda.

Os momentos mais difíceis são simétricos,
a dor miserável das primeiras horas é semelhante
à dos momentos finais, pelo meio os guizos da angústia
tocam como sinos e o desânimo é literalmente
rigoroso, geométrico, saturante.

És um animal que tem a memória por aliada
e por inimiga, e por isso tens dificuldade em controlá-la
quando a ansiedade é um polvo estendendo
desesperadamente os braços para se agarrar
a qualquer coisa, e essa qualquer coisa é a vida,
o mesmo castanheiro cujo coração apodrece com a luz
enquanto a velha canção da terra é interpretada
por todos os pássaros, num canto que tu já
esqueceste e não queres reaprender.

O mais difícil dos momentos difíceis é aquele
em que te buscas e não te encontras nem no ouro,
nem no barro, nem nos livros, nem na religião.
É então que a tua boca se surpreende com o sabor das horas
e com o travo imaterial das mais silenciosas palavras
que hão-de dominar a tua fala durante muitos anos,
até os dias serem tristes como um cão espancado
e já não der para deitar a cabeça sobre a relva
vendo as nuvens passar.

*
(a incluir em POEMAS POLÍTICOS, com
publicação em 2014 pela Editora
Edições Esgotadas)

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