2012-02-08

Escritor Francisco José Viegas, Secretário Geral da Cultura, visita Ceide para comentar filme de José Fonseca e Costa, baseado na obra de José Cardoso Pires



Francisco José Viegas nasceu no Pocinho, precisamente a última paragem da linha do Douro e esteve cá em Famalicão na passada 6ª dia 27 de Janeiro para falar sobre o filme “A Balada da Praia dos Cães”, realizado por José Fonseca e Costa, também presente no evento. O filme é baseado na obra homónima do escritor José Cardoso Pires
Francisco José Viegas foi professor de Linguística e Semiótica na Universidade de Évora, director da Casa-Museu Fernando Pessoa de 2006 a 2008, director da revista “Ler”; foi, também, apresentador de televisão em vários programas relacionados com a Cultura e a promoção da Literatura. É autor de vários romances policiais, ensaios e, também, poeta. Foi, ainda, director da editora Quetzal e deputado independente pelo PSD tendo sido, em 2011, nomeado para a função de Secretário de Estado da Cultura.

Francisco José Viegas afirma ter escolhido este filme de José Fonseca e Costa pelo facto de o mesmo filme ser baseado numa obra de José Cardoso Pires, escritor da sua preferência, e por este filme não estar disponível em DVD, tendo sido necessária a autorização do realizador para exibir o exemplar depositado no acervo da Cinemateca Portuguesa..

«Escolhi esta obra por ter um conjunto de personagens muito bem construídas que, no filme, adquirem uma dimensão que me comove muito. E, claro, por causa da cena erótica no elevador, que vem na página 110 do livro, mas onde no filme os actoresrespiramde forma particularmente intensa. Depois, gosto mais do Elias Santana do filme do que do livro, por causa da melancolia no olhar de Raul Solnado, que me comove muito, também. É um filme português, de um autor português... José Cardoso Pires e eu tivemos uma amizade muito tardia. Quis entrevistá-lo a propósito deA Balada da Praia dos Cãese deAlexandre Alpha. Fomos almoçar e...embebedámo-nos. E não fiz a entrevista. (risos)».

«A Balada...é fascinante porque acaba por ser o romance policial típico. Sou da opinião que toda a literatura é policial onde são usadas determinadas marcas como fórmulas: a morte, a vida , o mistério, o medo, a paixão. Quis homenagear a obra de José Cardoso Pires e de José Fonseca e Costa num filme ao qual fiqueipreso

O interesse demonstrado pelo cineasta José Fonseca e Costa em relação à realização do filme, tem a ver com a temática em si e com o hábito de José Cardoso Pires misturar personagens fictícias com personagens reais.

«Gosto do filme, porque tanto eu como o(Cardoso Pires) tivémos conhecimento dos factos que estão na origem do romance, ainda antes de se tornarem conhecidos (a morte do General Almeida Santos). Também penso que todas as histórias que se contam são policiais porque toda a história que não mete, paixão, medo e mistério, para mim não têm interesse nenhum. Um dos maiores realizadores de filmes policiais é, para mim, a figura de Michelangelo Antonioni.»

José Cardoso Pires parece ter explorado todo um conjunto de infelizes coincidências e “A Balada da Praia dos Cães” envolvendo um conjunto de personagens presos nas suas convicções políticas e desejos pessoais, tornando possível um complexo jogo de conflitos, pelo que, se não fosse isso, o desenvolvimento da trama seguiria um caminho muito mais formal.

Face a isto, Francisco José Viegas confessa sentir-se movido pela personagem Elias Santana, a qual inspirou a criação do seu detective, Jaime Ramos, presente em todos os seus romances policiais. A figura do inspector da polícia é, segundo o escritor, quase sempre uma figura da contra-cultura”.

«Maso Eliasestá nos antípodas. Ele é o produto típico da sociedade do Estado Novo. No romance, são mantidos dois tipo de tensão: a tensão política e a tensão passional

José Fonseca Costa, confrontado com a questão relativa à adaptação do livro ao cinema , responde à questão lançada pelo moderador do debate, Dr. José Manuel, director do Centro de Estudos Camilianos, sobre o que teria retirado da história original, o cineasta afirma ter suprimido, como pano de fundo, a cidade de Lisboa, a qual aparece sempre nos romances de José Cardoso Pires.

«No romance, José Cardoso Pires faz de Elias Santana um pequeno vicioso (o sonho voyeurista na cena do elevador) e que faz grandes deambulações por Lisboa. Mas naquela época (anos 80) era impossível filmar essa Lisboa porque os passeios estavam atulhados de carros e era impossível reconstituir o ambiente dos anos 60, altura em que havia muito menos carros.»

O realizador afirma, também, ter sido a escolha de Raul Solnado algo complicada não só porque o actor nunca antes tinha explorado a sua faceta dramática, tendo, à primeira abordagem, recusado o papel. Mas também, porque o próprio José Cardoso Pires não acreditava no resultado da escolha. Solnado, no entanto, muda de ideias e Cardoso Pires, ao ver o filme concluído, dos poucos elementos que aprecia realmente na obra é, precisamente, o desempenho de Raul Solnado.

José Fonseca e Costa fez notar que “A balada da Praia dos Cães” teve um grande impacto fora de Portugal, particularmente em Espanha e França, devendo muito o sucesso à participação e desempenho dos actores. Além do mais, tratando-se de uma co-produção entre Portugal, Espanha e França, houve muitos actores a falar várias línguas diferentes tendo de se recorrer à dobragem em algumas vozes.

«Assim, tivemos Mário Viegas a fazer a voz do capitão, Paula Guedes a fazer a voz de Mena (interpretada pela belíssima actriz Assumpta Serna) e António Feio a dar a voz à personagem Roque.»
O realizador sublinha que, a gravação das vozes em estúdio, em substituição do uso do som directo, é muito comum no cinema comercial americano e, também nos filmes italianos - Fellini recorria sempre a esta técnica – enfatiza o realizador.

Relativamente a Elias, José Fonseca e Costa afirma não se tratar de uma personagem inspirada em Salazar , mas no sistema.

«Elias Santana é produto da sociedade do Estado Novo mas não é inspirado em Salazar. É antes o retrato do salazarismo, um homem tipicamente lisboeta, solitário, tem muitos tiques de Fernando Pessoa na figura de Bernardo Soares. A decoração do quarto, a religiosidade...só podia ser português . Tem algo de um personagem do escritor grego Petrus Makaris. Makaris tem uma personagem um pouco assim, misógino; embora Elias Santana não é propriamente misógino, mas é solitário. O José Cardoso Pires deu-lhe um tom mais malandro».

«José Cardoso Pires escreve o livro como se de uma peça processual se tratasse. A escrita dele é muito perigosa, faz notas de rodapé, tal como emO Delfim. É uma escrita muitoburguesa, típica do século XIX. No entanto, José Cardoso Pires é, também, muito marcado pela influência dos escritores americanos como Norman Mailer no aspecto do apuramento documental e na mistura de situações fictícias com factos reais.»

Também agindo um pouco como Elias Santana, José Cardoso Pires parece ter-se inspirado na personagem real Maria José para construir a figura de Filomena Ataíde. Para tal, espiava-lhe os movimentos. O realizador, que a conhece pessoalmente , afirma ter ainda acrescentado alguns elementos que não estão no livro, salientando que “ uma história muito interessante para contar do ponto de vista da Maria José.

No livro, a intriga é aumentada pelo facto de a PIDE querer fazer constar que o crime tem origem na oposição ao regime, quando se trata na verdade um crime passional. A confusão é lançada com intenção de aproveitamento político.

A conversa foi empolgante embora a sala contasse com um público pouco participativo. No entanto, o diálogo a três, com os tópicos lançados estrategicamente pelo moderador, compensaram a timidez da audiência, numa sala praticamente repleta.


Cláudia de Sousa Dias

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