Escritor Francisco José Viegas, Secretário Geral da Cultura, visita Ceide para comentar filme de José Fonseca e Costa, baseado na obra de José Cardoso Pires
Francisco José
Viegas nasceu no Pocinho, precisamente a última paragem
da linha do Douro e esteve cá em Famalicão na passada 6ª dia 27 de
Janeiro para falar sobre o filme “A Balada da Praia dos Cães”, realizado por José Fonseca e Costa, também presente no evento. O filme é baseado na obra homónima do escritor José Cardoso Pires.
Francisco
José Viegas foi professor de Linguística e Semiótica na
Universidade de Évora, director da Casa-Museu Fernando Pessoa de
2006 a 2008, director da revista “Ler”; foi, também, apresentador de
televisão em vários programas relacionados com a Cultura e a
promoção da Literatura. É autor de vários romances policiais,
ensaios e, também, poeta. Foi, ainda, director da editora Quetzal e
deputado independente pelo PSD tendo sido, em 2011, nomeado para a
função de Secretário de Estado da Cultura.
Francisco José
Viegas afirma ter escolhido este filme de José Fonseca e
Costa pelo facto de o mesmo filme ser baseado numa obra de José
Cardoso Pires, escritor da sua preferência, e por este filme não
estar disponível em DVD, tendo sido necessária a autorização do
realizador para exibir o exemplar depositado no acervo da Cinemateca
Portuguesa..
«Escolhi esta obra por ter um
conjunto de personagens
muito bem construídas que,
no filme, adquirem uma
dimensão que me comove
muito. E, claro, por
causa da cena erótica
no elevador, que vem
na página 110 do
livro, mas onde no
filme os actores “respiram”
de forma particularmente
intensa. Depois, gosto mais
do Elias Santana do
filme do que do
livro, por causa da
melancolia no olhar de
Raul Solnado, que me
comove muito, também. É um
filme português, de um
autor português... José
Cardoso Pires e eu
tivemos uma amizade muito
tardia. Quis entrevistá-lo
a propósito de “A
Balada da Praia dos
Cães” e de “Alexandre
Alpha”. Fomos almoçar
e...embebedámo-nos. E não
fiz a entrevista. (risos)».
« “A Balada...”é
fascinante porque acaba por
ser o romance policial
típico. Sou da opinião
que toda a literatura
é policial onde são
usadas determinadas marcas
como fórmulas: a morte,
a vida , o
mistério, o medo, a
paixão. Quis homenagear a
obra de José Cardoso
Pires e de José
Fonseca e Costa num
filme ao qual fiquei
“preso”.»
O interesse demonstrado pelo cineasta
José Fonseca e Costa em relação à realização do filme, tem a
ver com a temática em si e com o hábito de José Cardoso Pires
misturar personagens fictícias com personagens reais.
«Gosto do
filme, porque tanto eu
como o “Zé” (Cardoso
Pires) tivémos conhecimento
dos factos que estão
na origem do romance,
ainda antes de se
tornarem conhecidos (a
morte do General Almeida
Santos). Também penso que
todas as histórias que
se contam são policiais
porque toda a história
que não mete, paixão,
medo e mistério, para
mim não têm interesse
nenhum. Um dos maiores
realizadores de filmes
policiais é, para mim,
a figura de Michelangelo
Antonioni.»
José Cardoso Pires parece ter
explorado todo um conjunto de infelizes coincidências e “A Balada
da Praia dos Cães” envolvendo um conjunto de personagens presos
nas suas convicções políticas e desejos pessoais, tornando
possível um complexo jogo de conflitos, pelo que, se não fosse isso, o desenvolvimento da trama seguiria um caminho muito mais formal.
Face a isto, Francisco José Viegas
confessa sentir-se movido pela personagem Elias Santana, a qual
inspirou a criação do seu detective, Jaime Ramos, presente em todos
os seus romances policiais. A figura do
inspector da polícia é, segundo o escritor, quase sempre uma
figura da contra-cultura”.
«Mas “o
Elias” está nos
antípodas. Ele é o
produto típico da
sociedade do Estado Novo.
No romance, são mantidos
dois tipo de tensão:
a tensão política e
a tensão passional.»
José Fonseca Costa, confrontado com a
questão relativa à adaptação do livro ao cinema , responde à
questão lançada pelo moderador do debate, Dr. José Manuel,
director do Centro de Estudos Camilianos, sobre o que teria retirado
da história original, o cineasta afirma ter suprimido, como pano de
fundo, a cidade de Lisboa, a qual aparece sempre nos romances de José
Cardoso Pires.
«No romance,
José Cardoso Pires faz
de Elias Santana um
pequeno vicioso (o sonho
voyeurista na cena do
elevador) e que faz
grandes deambulações por
Lisboa. Mas naquela época
(anos 80) era impossível
filmar essa Lisboa porque
os passeios estavam
atulhados de carros e
era impossível reconstituir
o ambiente dos anos
60, altura em que
havia muito menos carros.»
O realizador afirma, também, ter sido
a escolha de Raul Solnado algo complicada não só porque o actor
nunca antes tinha explorado a sua faceta dramática, tendo, à
primeira abordagem, recusado o papel. Mas também, porque o próprio
José Cardoso Pires não acreditava no resultado da escolha. Solnado,
no entanto, muda de ideias e Cardoso Pires, ao ver o filme concluído,
dos poucos elementos que aprecia realmente na obra é, precisamente,
o desempenho de Raul Solnado.
José Fonseca e Costa fez notar que “A
balada da Praia dos Cães” teve um grande impacto fora de Portugal,
particularmente em Espanha e França, devendo muito o sucesso à
participação e desempenho dos actores. Além do mais, tratando-se
de uma co-produção entre Portugal, Espanha e França, houve muitos
actores a falar várias línguas diferentes tendo de se recorrer à
dobragem em algumas vozes.
«Assim, tivemos Mário Viegas a fazer
a voz do capitão, Paula Guedes a fazer a voz de Mena (interpretada
pela belíssima actriz Assumpta Serna) e António Feio a dar a voz à
personagem Roque.»
O realizador sublinha que, a gravação
das vozes em estúdio, em substituição do uso do som directo, é
muito comum no cinema comercial americano e, também nos filmes
italianos - Fellini recorria sempre a esta técnica – enfatiza o
realizador.
Relativamente a Elias, José Fonseca e
Costa afirma não se tratar de uma personagem inspirada em Salazar ,
mas no sistema.
«Elias Santana
é produto da sociedade
do Estado Novo mas
não é inspirado em
Salazar. É antes o
retrato do salazarismo, um
homem tipicamente lisboeta,
solitário, tem muitos
tiques de Fernando Pessoa
na figura de Bernardo
Soares. A decoração do
quarto, a religiosidade...só
podia ser português .
Tem algo de um
personagem do escritor
grego Petrus Makaris.
Makaris tem uma personagem
um pouco assim, misógino;
embora Elias Santana não
é propriamente misógino,
mas é solitário. O
José Cardoso Pires deu-lhe
um tom mais malandro».
«José Cardoso
Pires escreve o livro
como se de uma
peça processual se
tratasse. A escrita dele
é muito perigosa, faz
notas de rodapé, tal
como em “O Delfim”.
É uma escrita muito
“burguesa”, típica do
século XIX. No entanto,
José Cardoso Pires é,
também, muito marcado pela
influência dos escritores
americanos como Norman
Mailer no aspecto do
apuramento documental e na
mistura de situações
fictícias com factos
reais.»
Também agindo um pouco como Elias
Santana, José Cardoso Pires parece ter-se inspirado na personagem
real Maria José para construir a figura de Filomena Ataíde. Para
tal, espiava-lhe os movimentos. O realizador, que a conhece
pessoalmente , afirma ter ainda acrescentado alguns elementos que não
estão no livro, salientando que “há uma
história muito interessante
para contar do ponto
de vista da Maria
José”.
No livro, a intriga é aumentada pelo
facto de a PIDE querer fazer constar que o crime tem origem na
oposição ao regime, quando se trata na verdade um crime passional.
A confusão é lançada com intenção de aproveitamento político.
A conversa foi empolgante embora a sala
contasse com um público pouco participativo. No entanto, o diálogo
a três, com os tópicos lançados estrategicamente pelo moderador,
compensaram a timidez da audiência, numa sala praticamente repleta.
Cláudia de Sousa Dias
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