NÓS
Photo by BEAUTIFUL PLANET EARTH
Nós, que vivemos -
nós, que flutuamos nas horas que fluem
pelos leitos da cidade
da cidade betão
que afoga os segredos
de ruínas perdidas -
nós, que no entanto chegamos
com a sua voz no sangue
que no entanto esquecemos
as suas marcas:
já nem sequer crescem
a cauda do cavalo
e os miosótis
entre as pedras enterradas,
a sua vida está fechada
com o selo da época:
o negro asfalto.
II
Nós, que não entendemos quando nos dizem
no oeste em tempo de seca:
não há secas como as de antigamente.
Não dizemos
que sopra o ábrego
quando empurra os seus barcos
pelo céu encrespado
nós, que esquecemos
a sua voz,
a quem não desperta a atenção que alguém pergunte:
Chegaram a um acordo?
Por que não sabemos escutar?
Por que não procuramos a suas marcas
sob o asfalto
ali onde corriam
regatos tranquilos
e havia ranúnculos nos canteiros?
III
Mas nós,
que já não escutamos
a sua voz no nosso peito
olhamos o céu
como única esperança
de inesperadas notícias.
Tudo mudou:
espaço, verdade, tempo
perderam o seu sentido
e até as águas sujas
já não são as de antes:
mudaram de curso
e correm livremente
pelas nossas veias,
porque nós trocamos
o encanto da tradição
pelo rumor de pompas quotidianas.
Sim, nós -
nós, máquinas nuas,
máquinas de máquinas -
nós, que deixamos
de aspirar o aroma da urze,
o tranquilo silêncio dos páramos -
que deixamos
de sentir o rumor do glaciar
no sangue
e abrimos os olhos como pratos
se alguém adverte e diz:
olha, que formoso
esse alazão -
que enchemos os nossos pulmões
de anidrido carbónico
e vemos os esgotos
correrem por tubos de betão
para o mar -
Oh, sim, nós, máquinas nuas.
Mathías Jóhannessen
Morg eru dags augu, 1972
I
Nós, que vivemos -
nós, que flutuamos nas horas que fluem
pelos leitos da cidade
da cidade betão
que afoga os segredos
de ruínas perdidas -
nós, que no entanto chegamos
com a sua voz no sangue
que no entanto esquecemos
as suas marcas:
já nem sequer crescem
a cauda do cavalo
e os miosótis
entre as pedras enterradas,
a sua vida está fechada
com o selo da época:
o negro asfalto.
II
Nós, que não entendemos quando nos dizem
no oeste em tempo de seca:
não há secas como as de antigamente.
Não dizemos
que sopra o ábrego
quando empurra os seus barcos
pelo céu encrespado
nós, que esquecemos
a sua voz,
a quem não desperta a atenção que alguém pergunte:
Chegaram a um acordo?
Por que não sabemos escutar?
Por que não procuramos a suas marcas
sob o asfalto
ali onde corriam
regatos tranquilos
e havia ranúnculos nos canteiros?
III
Mas nós,
que já não escutamos
a sua voz no nosso peito
olhamos o céu
como única esperança
de inesperadas notícias.
Tudo mudou:
espaço, verdade, tempo
perderam o seu sentido
e até as águas sujas
já não são as de antes:
mudaram de curso
e correm livremente
pelas nossas veias,
porque nós trocamos
o encanto da tradição
pelo rumor de pompas quotidianas.
Sim, nós -
nós, máquinas nuas,
máquinas de máquinas -
nós, que deixamos
de aspirar o aroma da urze,
o tranquilo silêncio dos páramos -
que deixamos
de sentir o rumor do glaciar
no sangue
e abrimos os olhos como pratos
se alguém adverte e diz:
olha, que formoso
esse alazão -
que enchemos os nossos pulmões
de anidrido carbónico
e vemos os esgotos
correrem por tubos de betão
para o mar -
Oh, sim, nós, máquinas nuas.
Mathías Jóhannessen
Morg eru dags augu, 1972
Etiquetas: poemário; Mathías Jóhanessen
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home