Poemas de Caravaggio - Três elegias (III)
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3.
Não sei como pode um homem desolado conduzir
os exércitos e dar à emboscada um sentido preciso
no rumo do combate. Não sei como posso
ainda erguer-me e sentir o sol na cara,
ou ver, ao longe, os duzentos cavalos a desbravar
a montanha e sentir, com eles, o coração
acelerado e triunfal, não sei como posso
sentir a aljava de buxo nos meus dedos
ou desmontar a tenda na hora do regresso
sem que saiba de que sono e ausência precaveste
os mais íntimos enigmas que o teu corpo
fechou sobre ti mesma. Não sei como tolerar
o intolerável e ir à guerra e sentir vertigens
pela falta que me fazes cada dia e noite.
Não sei como pode a água ser clara e a trepadeira
florir assim, com luz vermelha, se a dor que me mantém
é a tua sombra imóvel, e inviolável, nesta casa. Não sei
como entender o que grita e ruge e se amotina
no meu peito porque não voltarás a encher o meu bornal
nem estarás comigo a ver a bruma densa
sobre os campos de feno. Não sei, não sei
sequer como erigir uma elegia em que te possa
lembrar na desvelada ternura que entregaste
aos prisioneiros que fiz na última batalha.
Não sei como suprir o que esta perda
me trouxe de frio e maldição, ou como adormecer
contigo na memória e a garganta áspera
do vinho negro e doce da libação amarga.
Amadeu Baptista
(in Poemas de Caravaggio, Maia, Cosmorama, 2008)
Não sei como pode um homem desolado conduzir
os exércitos e dar à emboscada um sentido preciso
no rumo do combate. Não sei como posso
ainda erguer-me e sentir o sol na cara,
ou ver, ao longe, os duzentos cavalos a desbravar
a montanha e sentir, com eles, o coração
acelerado e triunfal, não sei como posso
sentir a aljava de buxo nos meus dedos
ou desmontar a tenda na hora do regresso
sem que saiba de que sono e ausência precaveste
os mais íntimos enigmas que o teu corpo
fechou sobre ti mesma. Não sei como tolerar
o intolerável e ir à guerra e sentir vertigens
pela falta que me fazes cada dia e noite.
Não sei como pode a água ser clara e a trepadeira
florir assim, com luz vermelha, se a dor que me mantém
é a tua sombra imóvel, e inviolável, nesta casa. Não sei
como entender o que grita e ruge e se amotina
no meu peito porque não voltarás a encher o meu bornal
nem estarás comigo a ver a bruma densa
sobre os campos de feno. Não sei, não sei
sequer como erigir uma elegia em que te possa
lembrar na desvelada ternura que entregaste
aos prisioneiros que fiz na última batalha.
Não sei como suprir o que esta perda
me trouxe de frio e maldição, ou como adormecer
contigo na memória e a garganta áspera
do vinho negro e doce da libação amarga.
Amadeu Baptista
(in Poemas de Caravaggio, Maia, Cosmorama, 2008)
Etiquetas: poemário
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