Encontro com o escritor José Manuel Saraiva na Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão
Inserida na Comemoração dos 95 anos da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, a noite do passado dia 2 de Novembro contou com a presença do escritor José Manuel Saraiva para apresentação do seu novo romance, intitulado Aos Olhos de Deus,
A simplicidade e a modéstia do Autor, ex-jornalista do semanário Expresso, que agora se dedica de corpo e alma à escrita e à investigação histórica afirmava que:
“É uma honra para mim estar aqui presente…Eu não me considero um escritor. Não tenho obra feita. Acho uma prosápia aqueles que escrevem um livro e já se consideram escritores. Sou apenas um homem que gosta de escrever, ler e que ama os livros.”
Á pergunta retórica lançada pelo público “hoje é dificil ler?” José Manuel Saraiva responde, não sem um leve toque de ironia:
“Essa é a desculpa do mau pagador. Hoje em dia, passa-se horas em frente à televisão a ver programas indigentes. Tenho lido, em média, cerca de 40 a 50 livros por ano. Nós, se formos ao estrangeiro, quando olhamos as pessoas que vão no metro, vemos que estão todas a ler. Actualmente, em Portugal, quando viajamos de metro vemos, sobretudo os homens, a lerem, quando muito, a Bola ou o Record.
O debate prosseguiu, envolvendo o público entre o qual se encontrava Francisco Guedes, um dos principais pivôs responsáveis pela organização do encontro Internacional de escritores realizado anualmente na Póvoa de Varzim – Correntes d’Escritas – o qual participou acaloradamente na discussão ao comentar que:
“É preciso ver quem é que hoje em dia ensina os miúdos a ler. Os meus professores foram pessoas como Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira e Soeiro Pereira Gomes. Para mim, o Plano Nacional de Leitura deveria consistir em convidar os escritores às escolas para serem eles a dar as aulas aos alunos…Nunca vi um escritor, pelo menos nos últimos governos, a liderar o Ministério da Cultura ou da Educação. Se calhar, as pessoas que lá estão também não lêem. Nós, temos 900 anos de cultura. Temos é um governo que não lê. Prefiro que seja alguém como o José Manuel Saraiva a dar uma aula aos miúdos do que a cartilha vinda da Europa, concebida por pessoas que não lêem. Tudo depende das “Direcções”. Na época em que eu estudava, os escritores, que eram meus professores, obrigavam-me a pensar. Não ficavam era muito tempo no cargo. No mesmo ano, tive três professores porque, ao fim de cada trimestre cada um deles ou foi preso ou inibido de dar aulas…e eu, que aprendi com eles, hoje em dia resta-me fazer o quê? Organizar as Correntes na Póvoa e a Literatura em Viagem em Matosinhos... “
Face a este repto, José Manuel Saraiva não resistiu a reassumir, momentaneamente, as funções de jornalista desempenhadas ao longo de várias décadas:
JMS - “Mas muitos escritores só têm o problemas de só aparecerem aos eventos mediante pagamento…”
FG – “Essa é uma das razões porque prefiro os autores portugueses. A outra é por causa dos maus trabalhos de tradução que se fazem em Portugal, sobretudo quando são vertidos do castelhano”.
JMS – “Por isso prefiro os livros com História dentro…”
E, ao falarmos de História não resistimos à tentação de questionar José Manuel Saraiva relativamente às personagens históricas dos seus romances, tomando como exemplo mais carismático a rainha D. Leonor Telles, esposa de D. Fernando, protagonista do romance “Rosa Brava”. Ao que o Autor responde com uma brilho nos olhos:
“Leonor Telles é uma das personagens mais fascinantes da História. É uma mulher fora do seu tempo. Para além de bonita e com um tipo físico fora do comum: loira, de olhos azuis...era uma mulher sábia, pérfida também, mas com supremas qualidades. Daí muitos escritores escreverem sobre ela: Pinheiro Chagas, Damião de Goes, Seomara da Veiga Ferreira. É uma personagem muito sedutora.”
Em relação ao novo romance JMS esclarece que:
“Aos Olhos de Deus é um romance que fala da história da embaixada do Rei D. Manuel ao Papa. Foi uma embaixada fabulosa. E cuja história é, curiosamente, muito mais conhecida em Itália do que em Portugal. Quando escrevi este romance, deparei-me com algumas dificuldades: primeiro em relação à bibliografia, porque praticamente ninguém tinha escrito sobre este tema em Portugal. Por exemplo, não há nenhum registo sobre a reacção da população de Lisboa ao ver aquele animal medonho, desconhecido na época, que era o elefante. Toda essa parte da passagem e da partida de Lisboa teve de ser ficcionada.”
Mas em relação à chegada de embaixada a Roma o caso já muda de figura:
“Essa parte já está muito bem documentada e registada por Damião de Goes…eu tenho também uma grande amor à História. Cheguei a ponderar escrever também sobre a Beltraneja – neta de D. Manuel – mas deparei-me com a mesma dificuldade de documentação. Por isso, o próximo romance versará provavelmente sobre a época actual.”
Após um curto debate sobre a escassa produção literária sobre as mulheres em Portugal ou sobre as figuras femininas mais carismáticas da nossa história, envolvendo mais uma vez, JMS e Francisco Guedes, o Autor deixa entrever um pouco em linhas gerais a temática do próximo romance:
“Há sempre uma história para escrever…amores improváveis, os valores internos ou a falta deles. A amizade, o amor, o ódio, a traição, as relações dissolutas, como em A Mulher Certa de Sándor Márai (…). É um desafio que me quero impor. Escrevi o meu primeiro romance passado no século XX – As Lágrimas de Aquiles – passado na Guiné. Isto ocorreu porque em 1996 – na altura em que ainda era jornalista fui à Guiné fazer uma documentário durante o qual falei com antigos militares e, pela primeira vez, fui posto frente a frente com os soldados que estiveram nos dois lados do conflito. E, ao visitar o memorial aos mortos da guerra, tive um “baque” e dali nasceu a necessidade de escrever algo sobre o tema…falei com o Manuel Alegre e ele incentivou-me a publicar. Mas dificilmente voltarei a falar sobre o mesmo tema porque me incomoda.”
Francisco Guedes, veterano da guerra do ultramar em Angola lançava o desabafo para a tertúlia:
“As palavras são curtas…”
“Mas é fascinante escrever…” reponde o Autor.
O debate prosseguiu pela noite dentro onde se discutiu apaixonadamente os encontros de escritores a decorrer em Portugal e em Espanha em 2009, os hábitos, a rotina diária dos profissionais da escrita, as diferenças de personalidade, as ambições, o ego…deixando-nos a vontade irresistível de repetir com bastante mais frequência iniciativas como esta…
Cláudia de Sousa Dias
A simplicidade e a modéstia do Autor, ex-jornalista do semanário Expresso, que agora se dedica de corpo e alma à escrita e à investigação histórica afirmava que:
“É uma honra para mim estar aqui presente…Eu não me considero um escritor. Não tenho obra feita. Acho uma prosápia aqueles que escrevem um livro e já se consideram escritores. Sou apenas um homem que gosta de escrever, ler e que ama os livros.”
Á pergunta retórica lançada pelo público “hoje é dificil ler?” José Manuel Saraiva responde, não sem um leve toque de ironia:
“Essa é a desculpa do mau pagador. Hoje em dia, passa-se horas em frente à televisão a ver programas indigentes. Tenho lido, em média, cerca de 40 a 50 livros por ano. Nós, se formos ao estrangeiro, quando olhamos as pessoas que vão no metro, vemos que estão todas a ler. Actualmente, em Portugal, quando viajamos de metro vemos, sobretudo os homens, a lerem, quando muito, a Bola ou o Record.
O debate prosseguiu, envolvendo o público entre o qual se encontrava Francisco Guedes, um dos principais pivôs responsáveis pela organização do encontro Internacional de escritores realizado anualmente na Póvoa de Varzim – Correntes d’Escritas – o qual participou acaloradamente na discussão ao comentar que:
“É preciso ver quem é que hoje em dia ensina os miúdos a ler. Os meus professores foram pessoas como Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira e Soeiro Pereira Gomes. Para mim, o Plano Nacional de Leitura deveria consistir em convidar os escritores às escolas para serem eles a dar as aulas aos alunos…Nunca vi um escritor, pelo menos nos últimos governos, a liderar o Ministério da Cultura ou da Educação. Se calhar, as pessoas que lá estão também não lêem. Nós, temos 900 anos de cultura. Temos é um governo que não lê. Prefiro que seja alguém como o José Manuel Saraiva a dar uma aula aos miúdos do que a cartilha vinda da Europa, concebida por pessoas que não lêem. Tudo depende das “Direcções”. Na época em que eu estudava, os escritores, que eram meus professores, obrigavam-me a pensar. Não ficavam era muito tempo no cargo. No mesmo ano, tive três professores porque, ao fim de cada trimestre cada um deles ou foi preso ou inibido de dar aulas…e eu, que aprendi com eles, hoje em dia resta-me fazer o quê? Organizar as Correntes na Póvoa e a Literatura em Viagem em Matosinhos... “
Face a este repto, José Manuel Saraiva não resistiu a reassumir, momentaneamente, as funções de jornalista desempenhadas ao longo de várias décadas:
JMS - “Mas muitos escritores só têm o problemas de só aparecerem aos eventos mediante pagamento…”
FG – “Essa é uma das razões porque prefiro os autores portugueses. A outra é por causa dos maus trabalhos de tradução que se fazem em Portugal, sobretudo quando são vertidos do castelhano”.
JMS – “Por isso prefiro os livros com História dentro…”
E, ao falarmos de História não resistimos à tentação de questionar José Manuel Saraiva relativamente às personagens históricas dos seus romances, tomando como exemplo mais carismático a rainha D. Leonor Telles, esposa de D. Fernando, protagonista do romance “Rosa Brava”. Ao que o Autor responde com uma brilho nos olhos:
“Leonor Telles é uma das personagens mais fascinantes da História. É uma mulher fora do seu tempo. Para além de bonita e com um tipo físico fora do comum: loira, de olhos azuis...era uma mulher sábia, pérfida também, mas com supremas qualidades. Daí muitos escritores escreverem sobre ela: Pinheiro Chagas, Damião de Goes, Seomara da Veiga Ferreira. É uma personagem muito sedutora.”
Em relação ao novo romance JMS esclarece que:
“Aos Olhos de Deus é um romance que fala da história da embaixada do Rei D. Manuel ao Papa. Foi uma embaixada fabulosa. E cuja história é, curiosamente, muito mais conhecida em Itália do que em Portugal. Quando escrevi este romance, deparei-me com algumas dificuldades: primeiro em relação à bibliografia, porque praticamente ninguém tinha escrito sobre este tema em Portugal. Por exemplo, não há nenhum registo sobre a reacção da população de Lisboa ao ver aquele animal medonho, desconhecido na época, que era o elefante. Toda essa parte da passagem e da partida de Lisboa teve de ser ficcionada.”
Mas em relação à chegada de embaixada a Roma o caso já muda de figura:
“Essa parte já está muito bem documentada e registada por Damião de Goes…eu tenho também uma grande amor à História. Cheguei a ponderar escrever também sobre a Beltraneja – neta de D. Manuel – mas deparei-me com a mesma dificuldade de documentação. Por isso, o próximo romance versará provavelmente sobre a época actual.”
Após um curto debate sobre a escassa produção literária sobre as mulheres em Portugal ou sobre as figuras femininas mais carismáticas da nossa história, envolvendo mais uma vez, JMS e Francisco Guedes, o Autor deixa entrever um pouco em linhas gerais a temática do próximo romance:
“Há sempre uma história para escrever…amores improváveis, os valores internos ou a falta deles. A amizade, o amor, o ódio, a traição, as relações dissolutas, como em A Mulher Certa de Sándor Márai (…). É um desafio que me quero impor. Escrevi o meu primeiro romance passado no século XX – As Lágrimas de Aquiles – passado na Guiné. Isto ocorreu porque em 1996 – na altura em que ainda era jornalista fui à Guiné fazer uma documentário durante o qual falei com antigos militares e, pela primeira vez, fui posto frente a frente com os soldados que estiveram nos dois lados do conflito. E, ao visitar o memorial aos mortos da guerra, tive um “baque” e dali nasceu a necessidade de escrever algo sobre o tema…falei com o Manuel Alegre e ele incentivou-me a publicar. Mas dificilmente voltarei a falar sobre o mesmo tema porque me incomoda.”
Francisco Guedes, veterano da guerra do ultramar em Angola lançava o desabafo para a tertúlia:
“As palavras são curtas…”
“Mas é fascinante escrever…” reponde o Autor.
O debate prosseguiu pela noite dentro onde se discutiu apaixonadamente os encontros de escritores a decorrer em Portugal e em Espanha em 2009, os hábitos, a rotina diária dos profissionais da escrita, as diferenças de personalidade, as ambições, o ego…deixando-nos a vontade irresistível de repetir com bastante mais frequência iniciativas como esta…
Cláudia de Sousa Dias
Etiquetas: Eventos: Biblioteca
4 Comments:
é sempre um previlégio ler-te. obrigada
O brigada...tenho andado um pouco preguiçosa para postar...mas espero mudar a situação em breve...
CSD
entre o limite das palavras e
a sua fascinação encandeante,
partilhar,
ser,
beijo
É precisamente é a partilha o mais importante nestes debates, Pi.
E conhecer algumas pessoas fora de série, também...
CSd
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