2015-08-06

Anna Hatherly I
















Acordei de repente no meio da noite na rua alguém chamara: A N A !

Então o nome correu pelos ares como um duríssimo triângulo como

um papagaio

de pedra o meu nome é de basalto é uma corrente

bate nos meus ouvidos oiço os seus elos A---N---A---!

São três dedos num só apontam para si mesmos ANA ANA ANA

às vezes parecem pancadas dum pequeno martelo batendo regularmente

bate em mármore talvez qualquer superfície dura e o eco

das pancadas corre em dois sentidos Sentido A <---> A

(corre pelos sentidos).




Tudo o que é sentido por A é sentido por A
N é A em fuga incompleto A   incompleto dois A. É um índice de A     OH ANA!
A negação A partícula O reversível O igual a si O em si
Um nome é em si O que jamais é fora de si
Oiço o meu nome corre sobre mim passa por mim
O meu nome não é eu
O nome passa por mim correndo vem ter comigo grita-me aos ouvidos
O nome é atirado contra mim cai em mim
Com o meu nome caio em mim         A N A
Três pancadas: uma na cabeça outra no peito outra na cabeça
É uma formação As letras voam formação V  


A      A               N

    N                A      A


Rapidamente uma pancada no estômago
Vejo o preso na cadeira Ouve o seu nome Vêm buscá-lo Abrem-se as grades
Vou morrer Não posso desprender-me Estou inocente
Empurram-me para a frente Tropeço pelos corredores no meio dos guardas
Abre-se a grande porta:          A N A !




Salto no ar
                    salto no ar absoluto precedida do meu nome
seguida do meu nome


                      O meu nome atira-me para a frente


                           empurra-me para a frente


                               corre pelo ar absoluto


                                   eu caio no fundo


Olho para o alto: o nome é um triângulo de basalto
Fecho os olhos
Penso na existência do nome.
Quero chorar. Doem-me os olhos. Choro lágrimas de tinta.
Quero olhar dizer o nome. A minha boca está cheia de tinta.
Estou dobrada. Quero erguer-me.
Estou dentro.

                                Tudo o que sou escreve o nome
                                       é para escrever o nome
                                           o vómito do nome
                                             a agonia do nome
                               A minha pele é o chumbo líquido do nome
Os meus membros são as teclas da máquina de escrever o nome


ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA ANA

O nome corre pelo corredor batendo nas paredes desdobrando o eco como
uma peça
de tecido anúncio eléctrico do nome vou de joelhos pelo nome cumpro antigas
promessas sangro tinta pelo nome subo pela máquina murmurando o nome
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


ANA: se eu fosse disléxica e quisesse ler ANA jamais compreenderia
o que quer dizer ANA. Veria essas formas agudas - vértice, vértice, vértice
invertido
vértice. Mas não o que quer dizer ANA. Jamais compreenderia porque é
impossível
compreender o que quer dizer A - N - A. Por exemplo: o que se passa
na boca:
com uma certa força expelir o ar - A; um pouco de língua contra o céu
da boca
(empurrando levemente contra os dentes de cima) - N; outra vez expelir o ar
apoiando com uma certa força - A. Mas não é bem assim. O ar sai com a
descida da língua. Há só um A - o primeiro - o último não é um A. É um
resto do
movimento do N com um pouco do ar do primeiro A, suspendido em N e
por fim expelido
em A, prolongamento de N.
ANA é isto.
Isso.
A língua quase não se move. É um nome muito tranquilo. Pacífico mesmo. Para dizer ANA com força é preciso estar-se muito zangado. Normalmente
move-se
apenas a língua levemente dentro da boca. Não é preciso muito mais.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...






Ana Hatherly, Poesia (1958/1978)

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